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Publicado em A Folha de São Paulo, 08/12/1993

Contrato coletivo por via democrática

Numa hora em que se discutem as alternativas de flexibilização de nossas relações do trabalho através do contrato coletivo, é comum ouvir-se que reformas sociais desta envergadura só acontecem depois de guerras, revoluções e intervenções. De fato, o sistema italiano só saiu do corporativismo depois de derrubado o fascismo.

O japonês tornou-se cooperativo e descentralizado após a intervenção do general Mac Arthur. O chileno flexibilizou graças à mão forte de Pinochet.

Esta lista poderia ser bastante ampliada. Mas a história contemporânea registra um belíssimo exemplo de flexibilização através de meios essencialmente democráticos. Trata-se da Nova Zelândia que, em 1991, através do Congresso Nacional, reformou amplamente o seu sistema de relações do trabalho ao aprovar a "Lei da Contratação do Emprego".

Trata-se de um diploma realmente revolucionário e que visa preparar aquele país para a competição galopante que toma conta da economia mundial. As principais inovações foram as seguintes:

1) Os empregados das empresas ganharam o direito de se associar, ou não, a outros empregados para defender os seus interesses no local de trabalho, o que abriu a porta para contratos individuais;

2) Os empregadores passaram a ser obrigados a reconhecer os agentes e a via de negociação escolhidos pelos empregados;

3) Em todos os contratos, individuais ou coletivos, passou a ser compulsório o estabelecimento dos procedimentos voluntários de resolução dos conflitos econômicos, ficando para os tribunais apenas os conflitos de direito. Para uma sociedade onde a sindicalização era obrigatória, a arbitragem compulsória e a negociação altamente concentrada, esta guinada em direção à liberdade, voluntarismo e descentralização foi espetacular.

Dentre os motivos da mudança arrolam-se os seguintes: 1) a necessidade de tornar a força de trabalho mais criativa e flexível, dando às empresas condições de êxito na competição com outros países; 2) a necessidade de criar um clima de liberdade para as próprias partes definirem, de modo rápido e amigável, os mecanismos de resolução da maioria das disputas.

Ao estabelecer que as relações do trabalho passam a se guiar por esta interação livre, a nova lei levou os sindicatos a se concentrarem nos problemas das empresas e seus respectivos empregados - e não em temas nacionais que tinham pouco a ver com as necessidades do microcosmo empresarial que, afinal, é quem garante a produção e o emprego.

A nova lei aumentou também as responsabilidades dos chefes e administradores das empresas. Eles têm de ficar muito atentos e tudo fazer para manter vivos os meios para satisfazer as aspirações crescentes de uma mão-de-obra exigente.

Pois bem. Toda esta impressionante mudança foi feita com base em um debate aberto sobre um projeto de lei, encaminhado ao Congresso, pelo Poder Executivo em 19/12/90. O projeto recebeu quase mil emendas; passou por três votações; e foi, finalmente, aprovado em 30/04/91, entrando em vigor a partir de 02/05/91.

No Brasil, como na Nova Zelândia, as necessidades de competir e ampliar o emprego constituem uma inegável realidade. Entre nós, está faltando a iniciativa de alguma das partes - talvez o governo - para propor ao Congresso Nacional um projeto de lei que flexibilize efetivamente o mercado de trabalho brasileiro. Acredito que o Congresso Nacional não se negará a examinar esta matéria com a devida seriedade, dando ampla audiência aos interessados. Afinal, cabe a eles decidir se pretendem ficar na camisa-de-força atual, ou se querem partir definitivamente para os tempos do novo mundo da cooperação e da parceria.