Publicado em A Folha de São Paulo. 04/04/1992
Negociação de concessões
A negociação do setor automobilístico está sendo considerada um marco histórico. De fato não há muitos exemplos no Brasil de casos bem sucedidos em que trabalhadores, empresários e governo cedem em favor de todos.
É útil ressaltar, entretanto, que o acordo alcançado é típico dos tempos de recessão e bastante comum nos países mais avançados. Ele é o desfecho do que se convencionou chamar de negociação de concessões ("concession bargaining").
Um livro fundamentado em muitos casos concretos, publicado há mais de dez anos ("The Management of Industrial Conflict in the Recession of the 1970s"), mostra de modo bastante didático que, ao ver emprego, lucros e impostos desaparecerem no meio da recessão, trabalhadores, empresários e governos concordam em fazer concessões para preservarem o pouco que restou. Mas eles só chegam a esse ponto quando a situação é realmente crítica e perigosa para a sobrevivência de cada um.
O assunto é também tratado de forma pedagógica na literatura da Organização Internacional do Trabalho. Em trabalho relativamente recente ("Collective Bargaining: A Response to Recession"), a OIT registra várias centenas de exemplos de negociação de concessões nos países que passaram pela recessão dos anos 80.
Todas essas experiências e o próprio exemplo do setor automobilístico brasileiro nos levam a duas lições. Em primeiro lugar, fica claro que as negociações setoriais (e até por empresa) são capazes de equacionar os problemas da recessão de modo criativo e superam, de muito, as tentativas de negociações nacionais, do tipo pacto social, que geralmente não saem da retórica.
Em segundo lugar, fica claro também que as negociações de concessões permitem acordos montados na base de muita flexibilidade. A flexibilidade é condição essencial para se sair da crise na hora da recessão.
Enfim, a teoria e a prática mostram que nada supera a negociação de concessões nos casos de recessão. Ajustar produção, preços, jornadas, salários, tributos, critérios de dispensa, data-base e tantas outras coisas específicas é simplemente impossível pela via da lei e muito menos pela via da Constituição.
Finalmente, os exemplos nos ensinam que o caráter adversário e político que predomina nas negociações nacionais tende a dar lugar ao espírito pragmático consultivo na hora da recessão. Com isso, as negociações de concessões tendem a revelar aos empregados, empregadores e governo que o caminho da intransigência e do embate é a trajetória mais curta para a destruição de todos.
Na verdade, no mundo moderno, as relações entre capital e trabalho toleram cada vez menos o conflito contínuo. As novas exigências da competição e da globalização da economia induzem uma aceleração meteórica dos arranjos cooperativos entre empregados e empregadores.
O Brasil começa a entrar nessa nova era. Como se vê, a cooperação não vem por legislação. Qualquer tentativa de colocar na lei o que as partes devem fazer na mesa estará fadada ao fracasso. Nesse sentido, o Brasil não está sozinho. O mundo inteiro é assim. É bom que nossos legisladores levem isso em conta na hora de editar novas leis trabalhistas ou até mesmo de reformar o capítulo dos direitos sociais de nossa mais apertada camisa-de-força - que é nossa Constituição.
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