Publicado em A Folha de São Paulo, 08/08/1991
Sugestão de nova política salarial
Resistir à indexação salarial tem sido um ponto de honra do governo Collor. Até aqui deu certo. Mas a recente disparada da inflação começa a demandar novamente algum sistema de indexação automática. Além disso, a criação da caderneta de poupança com remuneração diária leva o fator trabalho a exigir o mesmo tratamento dispensado ao fator capital.
A "política salarial" vigente se limita à concessão de abonos - sem nenhum reajuste automático. Mas o Congresso Nacional tem a responsabilidade de votar, até o fim de agosto de 1991, uma nova sistemática de negociação coletiva. E a nação espera que ele também edite uma nova política salarial.
Se o Congresso reindexar os salários automaticamente e o presidente sancionar - reinstalaremos de novo um foco autônomo de inflação. Por outro lado, deixar de indexar - com 13% ao mês e a ciranda financeira girando outra vez - é politicamente insustentável.
Qual é a saída? O Brasil já experimentou todas as formuletas disponíveis de indexação salarial automática. Nenhuma funcionou bem. Não adianta repetir essa estratégia. Precisamos inovar. O ideal seria, simplesmente, a livre negociação. Mas nossa tradição protecionista nos empurra para algum tipo de automatismo.
Vai aí uma sugestão que fica num meio termo entre a indexação automática e a negociação livre. Peço ao leitor para respirar fundo e não se assustar.
Minha proposta é a seguinte. A nova lei salarial deveria ter dois componentes básicos: um relativo à negociação e outro referente à resolução dos impasses.
Na parte negocial, a lei deveria garantir um reajuste automático de digamos, 50% de inflação passada entre datas-base (a cada seis meses). Qualquer percentual acima disso seria negociado com base nos resultados obtidos pelas empresas. Essa negociação desembocaria, portanto, em um acordo coletivo - e não convenção. Esta ficaria apenas para a data-base.
A negociação desse percentual teria bases realistas. A empresa que teve um bom desempenho nos seis meses passados receberia forte pressão sindical e teria de pagar melhor. Na empresa que foi mal, os trabalhadores arrefeceriam suas demandas e os percentuais seriam ajustados às suas possibilidades.
Essa negociação seguiria a sistemática do projeto de lei 821, que está prestes a ser aprovado pelo Congresso Nacional - que prevê acesso aos dados sobre o desempenho da empresa. Havendo impasse, as partes poderiam recorrer à Justiça do Trabalho. Aqui, porém, a lei deveria criar uma inovação. E, neste ponto, reitero ao leitor para que respire fundo.
Os impasses salariais iriam para uma câmara de dissídios coletivos que tentaria conciliar. Persistindo o impasse, os componentes da câmara julgariam o caso, mas segundo o método da "decisão de oferta final". Havendo votos discordantes, o caso passaria para as mãos de um juíz togado, que usaia o mesmo método. Em que consiste esse método?
A decisão de oferta final é usada na arbitragem trabalhista. Colocadas as duas ofertas finais sobre a mesa, o juiz só pode escolher uma ou outra. Por exemplo, as partes chegaram ao seguinte impasse: os trabalhadores insistem em um aumento de 100% e os empresários admitem apenas 10%. Fracassada a conciliação, o juíz escolherá 10% ou 100%. Nenhum outro percentual.
Isso deve estar assustando especialmente o leitor advogado e magistrado. Afinal, nossa tradição foi sempre de sentenças salomônicas. Mas não se assuste. Medite um pouco. A decisão de oferta final é de altíssimo risco para as partes. Mas quem calibra o risco são elas mesmas. Ele será tanto mais alto quanto maior for a distância. Por isso, raramente as partes terão coragem de deixar ir a julgamento propostas tão dísparas como a do exemplo acima. O que farão então? Negociarão ou aceitarão a conciliação judicial.
A decisão de oferta final tem a virtude de estimular a negociação. Devido ao risco, as partes esmeram na negociação e o número de dissídios diminui imensamente. Não podemos continuar usando a Justiça do Trabalho, comodamente, para fazer valer interesses que deveriam ser resolvidos pelas próprias partes. Isso não é certo. Afinal, não há ninguém melhor do que as partes para saber o que é realista. Essa proposta visa, assim, preservar a Justiça do Trabalho, estimular a negociação e evitar a indexação generalizada.
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