Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/06/1999
A convenção da OIT sobre o trabalho infantil
Na mesma semana em que a UNICEF lançou no Rio de Janeiro a campanha para retirar dos lixões, as 50 mil crianças brasileiras que ali trabalham, a OIT aprovou em Genebra uma nova convenção sobre o trabalho infantil.
O cerne da convenção prevê que os países signatários venham a:
1. Adotar medidas urgentes para eliminar as "piores formas de trabalho infantil" (escravidão, cativeiro, venda de menores, trabalho compulsório, uso de crianças na produção de pornografia, prostituição e tráfico de drogas) e, ainda, os trabalhos que causem danos à saúde, segurança e moral das crianças.
2. Administrar mecanismos de negociação tripartite para definir os trabalhos que causem danos à saúde, segurança e moral das crianças.
3. Prover a necessária educação a todas as crianças que forem retiradas daqueles tipos de trabalho.
4. Realizar essas ações com absoluta transparência, de forma a permitir o acompanhamento por parte dos órgãos especializados, da OIT.
Para fins da convenção aprovada, considera-se criança todo menor de 18 anos. O instrumento não se refere a todos os tipos de trabalho infantil e, sim, às "piores formas de trabalho infantil". A convenção se aplica apenas aos menores de 18 anos atingidos por essas formas.
Para muitos países, a convenção é tímida. Para outros, é arrojada. Na verdade, ela é um primeiro passo para se poder avançar mais no futuro.
é incrível que, na beira do século XXI, ainda sejam praticadas formas tão indignas de trabalho. Nas prolongadas negociações que antecederam a aprovação da convenção na OIT, das quais tive a oportunidade de participar, causou espanto saber que milhões de seres humanos não são registrados - nem ao nascer; nem no resto de suas vidas! São pessoas que não existem legalmente, restado-lhes trabalhar compulsoriamente em cativeiros, como escravas.
Igualmente chocante foi registrar a infinidade de nações nas quais a prostituição é profissão legalizada à partir dos 12, 13 ou 14 anos.
Não menos absurdo foi constatar a enormidade de países que colocam crianças no comando de fuzis e metralhadoras, e participando de conflitos violentos.
Em que essa convenção afetará o Brasil? Ainda temos muitas crianças trabalhando de forma ilegal e indevida. é vergonhoso constatar que 500 mil brasileirinhos, entre 5 e 9 anos, trabalham na roça ou nos serviços domésticos e 3 milhões, entre 10 e 14 anos, gastam seu precioso tempo no trabalho, quando deveriam estar estudando. Na faixa de 15 a 17 anos, há 5 milhões de trabalhadores.
Mas, desses 8,5 milhões de pessoas, felizmente, poucas são vítimas das "piores formas de trabalho infantil". Aliás, as nossas leis já proíbem essas formas.
A nova convenção, articulada com sua respectiva recomendação, abriu a possibilidade de trabalho para os adolescentes entre 16 e 18 anos em atividades que não causem danos à sua saúde, segurança e moral – o que acomodou a situação do Brasil, onde a Constituição Federal fixa em 16 anos a idade mínima para o trabalho.
No Brasil, as proibições pretendidas já existem. Mas, nesse campo, proibir é fácil; eliminar é difícil. A nova convenção exige as duas coisas.
Inexistem dados sobre a proporção de menores brasileiros atingidos pelas "piores formas de trabalho infantil". Mas se isso for 20%, o País tem pela frente um enorme desafio de retirar quase 2 milhões de crianças dessas formas de trabalho. Isso vai exigir uma grande cruzada, orientada por uma metodologia realista.
As ações já praticadas nesse campo são alentadoras. Pesquisas isentas, e realizadas por órgãos internacionais, têm demonstrado a viabilidade e a eficácia dos programas de bolsa-escola em andamento no Brasil.
é verdade que esses programas são limitados e poucos focalizam especificamente as piores formas de trabalho infantil. Mas, eles têm demonstrado que o problema do trabalho infantil indevido e pernicioso só se resolve quando se atacam as suas causas, articulando-se o provimento de renda adicional à família com vagas escolares para as crianças.
O Brasil será convidado a ratificar a nova convenção. Como já temos uma legislação protetora, será difícil negar a ratificação. Mas, ao retificá-la, assumiremos uma pesada responsabilidade de promover a eliminação de todo e qualquer tipo de trabalho que destrua o presente de nossas crianças e o futuro da própria Nação. Essa responsabilidade não é só dos governos. é de toda a sociedade. De todos nós.
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