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Publicado em A Folha de São Paulo, 30/04/1990

Recessão e relações do trabalho

A primeira reação dos empresários ao engessamento da economia promovido pelo Plano Collor foi a de encontrar formas de pagar os salários de março. Poucos tinham recursos próprios. Boa parte teve de tomar cruzeiro emprestado, a juros altíssimos. Pagar os salários de abril e maio dependerá fundamentalmente de vender e receber na nova moeda.

A segunda reação dos empresários foi a de conceder férias e licenças remuneradas e, simultaneamente, preparar os programas de dispensa de seus empregados no caso da não-reativação. São medidas preventivas que decorrem da apreensão e do bom senso. Afinal, a última coisa que se deseja é quebrar a empresa pois, nesse caso, o desastre seria ainda maior. De uma recessão passaríamos "incontinenti" a uma depressão.

Entretanto, antes de demitir maciçamente, muitos empresários vêm examinando e até praticando alternativas menos traumáticas. De fato, a literatura especializada mostra que soluções engenhosas e muito produtivas costumam surgir nas horas de crise. Com base nelas, despede-se menos e se economiza mais.

As relações de trabalho se modificam bastante nos tempos de recessão. Muita coisa que era impensável pessa a ser negociável. Isso é fruto da necessidade de sobreviver. Nessas condições, o clima adversário entre empregados e empregadores dá lugar a um clima de compreensão e cooperação.

Há muito a ser construído, de comum acordo, nessa hora de dificuldade. A recessão abre inúmeras oportunidades para inovações e aperfeiçoamentos no campo das relações de trabalho. Os trabalhadores, ao enfrentar o duro dilema de "menos salário ou menos emprego", passam a se interessar fundamentalmente por proteger o seu emprego e pelo estabelecimento de critérios de dispensa e realocação de pessoal dentro da mesma empresa.

Em toda recessão,as centrais sindicais e os próprios sindicatos, de início, preferem atuar em nível nacional, combatendo a recessão junto ao governo e aos parlamentares. Para isso, eles contam com a solidariedade da nação. Os trabalhadores, por seu turno, buscam acertar sua situação dentro da empresa. Nessa fase inicial, é comum criticarem seus sindicatos, por abandoná-los no seu esforço de preservar os empregos estabelecendo-se um clima de tensão entre trabalhadores e suas representações sindicais. Mas, gradualmente, os sindicatos vêm em socorro de seus associados e começam a negociar junto às empresas.

Mas essa não é uma negociação fácil. Ao fazer concessões, os dirigentes sindicais exigem, dentre outras coisas, que elas sejam temporárias, devendo ser abandonadas assim que a economia reativar. Além disso, eles tentam aumentar seu poder de fiscalizar as empresas, procurando se precaver contra as que economizam com o enxugamento dos quadros e investem na automação.

Todos esses controles, em última análise, visam submeter os eventuais abusos ou deslealdades praticados durante a recessão a forte retaliação sindical e até mesmo ações judiciais. Em suma, as relações de trabalho nos tempos de recessão, se tornam simultaneamente, mais cooperativas, mais participativas e mais fiscalizatórias. Paradoxalmente, as mudanças nas relações de trabalho durante as recessões deixam um saldo positivo no campo da produtividade. A necessidade de economizar e racionalizar as atividades instiga as empresas a encontrar formas criativas de produzir com menos insumos e com melhor desempenho da mão-de-obra.

Nas primeiras duas semanas do Plano Collor, com uma velocidade espantosa, o Brasil assistiu inúmeros lances de flexibilização nas relações de trabalho. O passo inicial foi dado pelos metalúrgicos do Grupo 19 que, por acordo especial com a Fiesp, decidiram adiar a negociação da data-base de 10 de abril por 90 dias. Logo em seguida, vieram os trabalhadores da construção civil, que propuseram redução de jornada com redução de salário. Outras categorias, como a dos operadores de bolsa, os securitários, os corretores de valores, sugeriram redução de salário sem redução de jornada. Do lado das empresas, as que pararam de vender, imediatamente anteciparam férias e concederam licenças remuneradas, à espera da retomada. Em suma, os sinais da flexibilização apareceram com impressionante rapidez como estratégia de sobrevivência.

Isso mostra que empresários e trabalhadores foram reativos. Mas eles poderiam ser pró-ativos ao se anteciparem aos problemas e mitigando o sofrimento. De fato, muitas outras coisas podem ser feitas para minorar a crise. Tempos de recessão são tempos de desafio e também tempos de criação. São tempos de mostrar eficiência. No campo trabalhista, essa é a hora de rever e renegociar os acordos e convenções com vistas a: 1) flexibilização das jornadas às necessidades da empresa e do mercado; 2) suspensão temporária de benefícios concedidos; 3) introdução de outros benefícios que permitam o atrelamento da remuneração ao desempenho; 4) reformulação de planos de cargos e salários; 5) reformulação dos esquemas de treinamento e promoção; 6) estabelecimento dos critérios de dispensa; 7) negociação de princípios com vistas a uma boa conduta ética tanto da empresa quanto dos empregados na hora da readmissão e da greve; e 8) preservação e melhoria da imagem da empresa.

Com tais reformulações a empresa ganhará fôlego para sobreviver a crise, podendo dispensar menos, economizar mais e recrutar melhor no futuro. Para tanto, ela tem a alternativa de negociar de modo pró-ativo e não meramente reativo. Ao fazer as contas na ponta do lápis, ela se surpreenderá com a superioridade dessa negociação sobre a demissão em massa. É dessa maneira que as empresas podem superar a crise e se preparar para a retomada do desenvolvimento. Afinal, da recessão, só sobrevivem os competentes.