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Publicado em A Folha de São Paulo, 21/04/1990

Relações de trabalho - flexibilizar para sobreviver

A julgar pelo noticiário dos últimos dias, parece que muitos empresários pensam em demitir para sobreviver. Neste artigo, pretendemos propor formas mais vantajosas para enfrentar a recessão.

Vamos partir de um exemplo hipotético, mas representativo para muitas empresas. Suponhamos que a composição dos custos trabalhistas seja a da tabela: os salários representam 45, os encargos legais 35 e os encargos negociados 20, num total de 100. A empresa decide fazer um corte de 30% nos seus custos fixos, inclusive nos custos trabalhistas. Cortados em 30%, esses cairão do nível 100 para 70.

A opção tradicional. A estratégia mais comum é demitir. Demitindo 30% dos empregados, a composição dos custos trabalhistas passaria a ser: 31,5 de salários, 24,5 de encargos legais e 14 de encargos negociados (tabela).

Mas haveria custos. O custo da rescisão do contrato de trabalho é elevado, podendo chegar a 2 salários (em alguns casos, até mais). Haveria também o custo de uma futura readmissão. Quando a empresa retomasse seu ritmo normal, teria que recrutar, selecionar, treinar e adaptar novos funcionários. A produtividade desses seria menor durante a adaptação. É difícil avaliar, mas o custo disso tudo deve equivaler a um salário. Portanto, ao despedir 30% de seu efetivo, a empresa incorreria num custo equivalente a 90% das suas despesas mensais atuais. Portanto, apenas a partir do 4º mês haveria um benefício. A conclusão a tirar dessa simulação hipotética é: demissões não geram economias imediatas.

Além disso, há custos intangíveis. Demissões envenenam o ambiente interno. O moral e a motivação desaparecem. Surgem ressentimentos, cria-se o medo, instala-se a tensão. O relacionamento com os funcionários se deteriora. Perde-se a confiança mútua. Seriam necessários muitos anos para reconstruir um ambiente de harmonia. Isso tudo provoca perdas apreciáveis na produtividade, que não devem ser ignoradas.

A opção flexível. Alternativamente, a redução no custo do fator trabalho poderia vir pela flexibilização. A empresa proporia aos empregados cortes nas despesas trabalhistas, mas não no emprego. Ela negociaria, em caráter emergencial, uma transformação da composição de seus custos trabalhistas. Hoje, esses são praticamente fixos. O objetivo seria transformá-los, pelo menos em parte, em custos variáveis. Uma parte dos custos trabalhistas passaria a depender do desempenho da empresa. Muitos custos seriam renegociados, ficando na dependência do que vier a ocorrer mais tarde.

A empresa proporia a flexibilização dos salários. Uma parcela desses seria eliminada e voltaria a ser paga, mais adiante, à medida que o faturamento crescesse. Uma vez reduzidos os salários, cairiam na mesma proporção os encargos legais. Seria também proposta a flexibilização dos encargos negociados. Há muitos itens do acordo/convenção, que oneram a empresa nesse momento de recessão. É o caso de adicionais a títulos diversos, abonos, salários indiretos e muitas regras que criam limitações na alocação da mão-de-obra. Tudo isso seria substituído por prêmios para a eficiência e a produtividade.

Nesse exercício de simulação, vamos supor que a empresa propusesse uma redução de 20% nos salários e de 60% nos encargos negociados. A composição dos custos trabalhistas ficaria então em 36 para os salários, 28 para os encargos legais e 8 para os encargos negociados (tabela). A empresa reduziria seus custos trabalhistas para 72, economizando 28 a cada mês, imediatamente. Ao contrário da opção tradicional, a flexibilização não implicaria custos de rescisão ou de readmissão.

A força de trabalho seria preservada. Com a manutenção dos empregos, cresceriam a confiança mútua, o moral, a motivação. O relacionamento e o comprometimento seriam fortalecidos. Haveria mais harmonia interna, com reflexos muito positivos sobre a produtividade. Todos ganhariam.

Custos Trabalhistas
Composição dos custos na empresa hipotética, sob as duas estratégias

Item dos custos

Composição

Composição com a

Composição com a

trabalhistas

atual

estratégia tradicional

Estratégia flexível

Salários

45,0

31,5

36,0

Encargos legais

35,0

24,5

28,0

Encargos negociados

30,0

14,0

8,0

Total

100,0

70,0

72,0

Nível de emprego

100

70

100

Custos decorrentes

-

90

0

Como conseguir que as empresas abandonem a opção tradicional? Muitos congressistas sugerem políticas legalistas, aumentando o período de aviso prévio. De fato, isso induziria as empresas a manter sua força de trabalho porque o custo da demissão seria proibitivo. Mas isso as engessaria e sufocaria. Se a retomada demorasse, elas se inviabilizariam e o desastre seria inevitável. Mais consequente seria o estímulo a políticas negocialistas, cujo fundamento seria premiar quem preserva o emprego, ao invés de punir quem emprega. A perspectiva flexível é sempre mais adequada para enfrentar a recessão. Se a retomada demorasse, novos arranjos flexíveis poderiam ser negociados, as empresas teriam maior sobrevida e mais empregos seriam mantidos.

Os empresários têm diante de si uma importante opção: negociar a manutenção do emprego e tornar suas empresas mais produtivas, ou simplesmente demitir e provocar a catástrofe que destruiria nosso parque industrial. Por que não ajudá-los a tomar a decisão certa?