Publicado em A Folha de São Paulo, 06/05/1989
Assegurar direitos e barrar violências
A PERGUNTA DA FOLHA
VOCÊ APÓIA A DECISÃO DO PRESIDENTE SARNEY DE ESTABELECER REGRAS PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE?
Em boa hora o presidente da República decidiu estabelecer alguns limites para o exercício do direito de greve por parte dos trabalhadores e de seus sindicatos. O país marchava para o caos: só na "Nova República" foram mais de 7.500 greves.
Nestes 4 meses de 1989 tivemos quase mil greves e, com isso, perdemos mais de 30 milhões de jornadas de trabalho! Se a crise é grave trabalhando, o que será se pararmos de trabalhar?
Além dessa explosão quantitativa, o Brasil tem experimentado uma escalada da violência nos movimentos sindicais. No pressuposto de se exercer o direito de greve, inúmeros outros direitos vinham sendo frontalmente violados. As últimas seis semanas foram marcadas pela depredação generalizada de ônibus urbanos por ocasião da greve geral, a ocupação selvagem da Mannesmann, a derrubada da torre de alta tensão da Cemig, o desabastecimento de água de Curitiba devido ao desligamento da energia elétrica provocado pelos grevistas da Copel, o comprometimento dos fornos da Philips devido ao impedimento da entrada de nitrogênio, o estouro da bomba na agência do Bradesco em Recife e tantos outros atos lamentáveis de vandalismo que não podem ser justificados em um país que pretende ser democrático.
É comum ouvir-se de alguns dirigentes sindicais extremados que maior violência é o aviltamento salarial que atinge a grande maioria dos assalariados brasileiros. Sem dúvida. Ninguém pode ignorar a acelerada deterioração do poder aquisitivo dos trabalhadores brasileiros. Estamos chegando nos limites do tolerável e, se nada for feito, o caos social poderá dominar o Brasil.
Mas, trabalhadores, empresários e governo precisam encontrar soluções para seus problemas por meio do entendimento. Havendo intransigência dos empresários e governantes, a Coonstituição Federal assegura aos trabalhadores o direito de parar de trabalhar e, com isso, pressionar as partes a encontrarem medidas mais satisfatórias. Mas, nesse campo, é inadmissível a coação, a ameaça, o vandalismo e a violência física ou moral.
A própria Constituição federal prevê que os abusos no exercício do direito de greve serão punidos. A medida provisória nº 50 regulamentou sabiamente esse conceito, ao considerar abusivos a ocupação de estabelecimentos produtivos, o uso dos profissionais de piquetes (estranhos), a ameaça contra a pessoa, o incitamento à desobediência, e o impedimento da liberdade de trabalhar. Todos esses comportamentos constituem abusos (aqui ou em qualquer democracia) e, como tal, não podem proliferar. Afinal, seria absurdo que o exercício do direito de greve viesse a anular o direito de propriedade ou esterelizar o direito à integridade física e moral de quem deseja trabalhar.
O Brasil deu um grande passo à frente ao aprovar uma Carta Constitucional que assegura de modo prioritário os direitos individuais. Logo em seguida, a mesma Constituição, estabeleceu novos direitos sociais. Mas o exercício destes não implica a anulação daqueles. Ao contrário, os brasileiros terão de acomodar na prática os interesses eventualmente conflitantes. Empregados e empregadores haverão de aprender a usar os direitos conquistados respeitando fielmente os direitos de seus companheiros. Sim, porque capital e trabalho, longe de serem forças autodestrutivas são sócios no mesmo empreendimento. De nada vale o capital sem o trabalho. O que fazer com o trabalho quando não há empregos?
A terrível crise distributiva do Brasil terá de ser resolvida na base de entendimentos e até de embates entre trabalhadores e empresários mas jamais na base da coação ou da força. Tenho certeza de que o Congresso Nacional será o primeiro a reconhecer a importância de se estabelecer regras do jogo claras para se assegurar o exercício simultâneo do direito de greve e dos demais direitos recém-aprovados na nova Constituição.
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