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Publicado em A Folha de São Paulo, 08/12/1988

Participação nos lucros ou resultados

O que pode a empresa fazer para contrabalançar os ônus adicionais criados pelos novos direitos trabalhistas da Constituição de 1988 e que serão gradualmente implantados ao longo de 1989?

As empresas brasileiras, de um modo geral, têm enfrentado os aumentos de custos da mão-de-obra repassando-os aos preços e automatizando. Uma terceira alternativa, menos frequente, tem sido a melhoria da produtividade.

É bem provável que nos próximos 12 meses as empresas venham a ser desafiadas a usar esse terceiro mecanismo de modo muito mais intenso. Afinal, o repasse a preços tem limites muito estreitos para as empresas exportadoras, assim como para as que disputam mercados internos muito competitivos. A automação, igualmente, enfrenta dificuldades de importação, de custos e de adaptação à tecnologia existente.

Uma quarta possibilidade - reduzir ainda mais dos salários reais dos trabalhadores - parece inteiramente fora de cogitação nos próximos 12 meses tendo em vista 1) a crescente pressão sindical, especialmente propelida pelas altas taxas de inflação e pelo fato de boa parte dos dirigentes estar engajada na eleição de um seu companheiro (Lula) nas próximas eleições presidenciais; 2) a maior participação de forças políticas na fixação de mecanismos de reajustes salariais e resolução de conflitos que agora passaram para o âmbito do Congresso Nacional, como é o caso de salário mínimo, lei de greve, eventual otenização dos salários, isonomia salarial no setor público e vários outros temas desse tipo.

A Constituição de 1988 trouxe um novo estímulo para a empresa agir seriamente na melhoria da produtividade. Como se sabe, o inciso XI do artigo 7º garante aos trabalhadores o direito de participação nos lucros, resultados e até na gestão da empresa.

Embora tal mecanismo ainda dependa da lei regulamentadora, são inúmeras as categorias profissionais que estão incluindo esse direito em suas pautas de reivindicação. As empresas, sindicatos patronais e federações, ao receberem tais pleitos, têm duas alternativas. A primeira é a de aceitar a negociação e, por acordo ou convenção coletiva, estabelecer as bases de participação em um dos três itens. A segunda é a de recusar a negociação alegando a falta de lei regulamentadora.

No caso de recusa à negociação, a pendência poderá ser levada à Justiça do Trabalho, que por sua vez terá também dois caminhos a tomar. No primeiro, os juízes poderão se negar a julgar alegando o mesmo motivo - a falta da lei - o que certamente ensejará um mandado de injunção através do qual os sindicatos dos trabalhadores passam a solicitar a pronta implantação das medidas para que se materialize seus direitos constitucionais.

No segundo caminho, usando da mesma Constituição de 1988, que ampliou extraordinariamente o poder normativo da Justiça do Trabalho, os juízes mais arrojados poderão decidir a pendência, fixando, por exemplo, um valor para o rateio dos lucros e um critério de participação na gestão.

Assim, as empresas tem duas condutas possíveis. Na negociação, elas terão chance de acertar o tolerável. Na recusa à negociação, elas terão de amargar uma senteça judicial ou uma lei de cunho populista, feita às pressas, num ano eleitoral como o de 1989. Apesar de mais trabalhoso, o risco da primeira conduta, em tese, parece menor.

Mas como encaminhar esse tipo de transação? A Constituição de 1988, em relação à anterior, trouxe duas inovações bastante positivas no campo da participação. A primeira refere-se ao fato daquele inciso contemplar os conceitos de "lucros" e "resultados". A outra relaciona-se ao fato dessa participação estar livre de encargos sociais, de habitualidade e da sua incorporação na remuneração.

A introdução da palavra "resultados" deu uma grande flexibilidade nesse campo. Os resultados podem se referir ao atingimento de metas fisicas, ao volume de vendas e até às variações de custos de produção. Por exemplo, a empresa poderá negociar por acordo com o sindicato de trabalhadores que, além do salário, será distribuído um prêmio aos seus empregados, vinculado a economias de combustível, matéria-prima, energia, tempo, mão-de-obra etc. Ou, se preferir, poderá vincular esse prêmio ao desempenho de suas vendas ou ao próprio faturamento.

As metas podem ser fixadas, atingidas e medidas no período que for mais conveniente para as duas partes. No acordo firmado, obviamente, será obedecido o preceito constitucional que prevê a não-vinculação desse prêmio à remuneração dos empregados, de modo que, atingindo-se as metas negociadas, ele será distribuído; caso contrário, não. Da mesma forma, será obedecido o princípio da não-incidência de encargos sociais - o que constitui economia para a empresa e mais renda para seus empregados.

É por esse caminho que as empresas brasileiras poderão vincular partes crescentes da remuneração à produtividade. A nova Constituição terminou com a rigidez da antiga legislação e criou um espaço para a prática da remuneração flexível - o que, aliás, já predomina nas economias mais avançadas. Além de suas vantagens nitidamente econômicas, o novo sistema de participação em resultados tem a superior virtude de pôr empregados e empregadores trabalhando em direção a metas comuns, o que ajuda extraordinariamente a administrar o conflito trabalhista. No momento em que os empregados se identificam com os objetivos da empresa, que agora são também seus, o ambiente de trabalho passa de adversário para cooperativo, melhorando a harmonia e elevando a produtividade, lucratividade e competividade.

Está aí, pois, um mecanismo construtivo para se modernizar as relações do trabalho. As empresas que aceitarem esse convite terão de aceitar sentenças desfavoráveis ou uma nova legislação, que certamente insistirá muito mais nos lucros do que nos resultados.