Publicado em O Estado de S. Paulo, 20/07/1999
Uma nova epidemia de encargos sociais
Nos últimos cinco anos, as negociações coletivas de vários setores adotaram a estratégia de fazer os benefícios crescerem mais depressa do que os salários.
Para os trabalhadores destes dias de moeda estável, um bom convênio médico e uma cesta básica de qualidade, valem mais do que pequenos aumentos de salários. Para as empresas, conceder benefícios que seus colaboradores valorizam, convém mais do que pagar 102% de encargos sociais sobre os salários contratados.
Para os setores industrial, bancário e partes do comércio, o plano de saúde, o seguro de vida, os auxílios medicamento, transporte, creche, alimentação tornaram-se comuns nos acordos e convenções coletivas assinadas no período de 1993-98.
A agregação desses benefícios ao salário monetário vinha sendo entendida pelas partes como uma importante ajuda para preservar o poder de compra de muitos trabalhadores. A cesta básica concedida pela empresa, por exemplo, libera recursos para os trabalhadores comprarem outros bens. O mesmo ocorre com os demais benefícios.
Para o Estado, essa prática era vista como um alívio pois, afinal, empregados e empregadores compartilhavam responsabilidades no campo social.
Tudo indicava, portanto, que a estratégia de combinar benefícios com salários iria continuar. Entretanto, a progressão de atos, despachos, portarias e instruções que vêem sendo baixados pelo Ministério da Previdência Social começou a reverter aquela tendência.
O "auxílio-creche" ou "auxílio-babá", por exemplo, negociado coletivamente, e de forma sofisticada, pois é atrelado à comprovação de que a babá é contratada de maneira legal, com registro em carteira de trabalho e respeito aos encargos trabalhistas e previdenciários, está sendo considerado, por aquele Ministério, como parte integrante do salário e, portanto, sujeita a encargos sociais. Na mesma linha, está o seguro de vida em grupo e tudo indica que o mesmo tratamento venha a ser dado ao seguro-saúde.
Tais medidas já levaram suas conseqüências para as mesas de negociações, provocando uma forte reversão de conduta. Segundo pesquisas da CNI, o auxílio alimentação que foi negociado em 50% dos acordos e convenções coletivas no primeiro semestre de 1998, caiu para cerca de 35% em 1999. No caso da creche, a proporção reduziu-se de 32%, para menos de 26%. Em relação aos medicamentos, a tendência também é de queda (ver tabela).
Benefícios Negociados |
Proporção de Acordos e Convenções |
na Indústria |
1998 |
1999 |
Alimentação |
50,0% |
35,5% |
Creche |
32,1% |
25,8% |
Medicamentos |
17,9% |
16,1% |
Na medida em que os atos já publicados e as ameaças de gravar outros benefícios venham a ser disseminados, é bem provável que muitas empresas venham a cancelar por completo as concessões que, durante anos, concederam aos seus empregados por meio de negociações coletivas.
Isso ocorrendo, os trabalhadores perderão uma proteção que era bancada pelo setor privado, restando-lhes a alternativa de buscá-la no setor público. Será que a seguridade social está preparada para arcar com mais essas despesas?
Além de desproteger os empregados, o avanço dessa epidemia de encargos sociais acabará instigando uma aceleração ainda maior do mercado informal que, aliás, já atinge 57% da força de trabalho, impondo à seguridade social uma sobrecarga de responsabilidades, sem nenhuma contrapartida de receitas.
Sim, porque todo brasileiro que adoece ou se acidenta (no trabalho ou fora dele) tem de ser atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que é mantido com recursos da seguridade social e para a qual ele nada contribui, quando está na informalidade. Ao tornar-se um idoso carente, esse brasileiro receberá um salário mínimo do INSS, cujos recursos provêm da seguridade social, repetindo, para a qual ele nada contribuiu.
A escalada de pressões por impostos, taxas e contribuições que gravam o trabalho precisa ser contida. Nesse campo, já são inúmeras as exigências das "Normas Regulamentadoras" sobre saúde e segurança no trabalho, várias delas refletindo muito mais as idiossincrasias de alguns burocratas, do que as necessidades reais dos trabalhadores, como é o caso, por exemplo, da obrigatoriedade de provimento de camas nos canteiros de obras do nordeste, onde os trabalhadores preferem dormir em redes.
Em suma, o governo entra em uma insustentável contradição quando, de um lado, diz querer ampliar o emprego formal e reduzir o déficit das agências governamentais que atuam nas áreas do trabalho, saúde e previdência social e, de outro, aumenta as despesas administrativas das empresas e os encargos sociais sobre a contratação do trabalho legal.
Isso precisa mudar, e a burocracia do Ministério da Previdência Social parece ser forte candidata a um urgente esclarecimento.
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