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Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/12/1998

Arbitragem com sinal trocado

A Constituição Federal de 1988, as leis trabalhistas que a sucederam e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 623/98) insistem na introdução da arbitragem trabalhista para dirimir conflitos coletivos, apesar desse instituto ter sua vantagem comparativa na resolução de conflitos individuais.

A arbitragem requer um ambiente contratual propício, sem o qual o exercício de suas potencialidades fica extremamente limitado.

Nos países onde o instituto funciona bem, em especial nos Estados Unidos, o sistema de relações de trabalho estimula a negociação coletiva.

A negociação é usada para se chegar a um contrato coletivo que contém as regras de convivência de empregados e empregadores. Esse contrato prevê a utilização da arbitragem para conflitos individuais que surgem no âmbito do contrato coletivo.

Compete ao árbitro interpretar esses conflitos à luz das cláusulas contratuais, e não dirimir impasses que surgem de violações da lei – assunto para os juizes.

Mais especificamente, o árbitro se concentra nos conflitos de natureza jurídica e econômica decorrentes de interpretações alternativas de cláusulas contratuais.

Por isso, a arbitragem é usada predominantemente para resolver conflitos individuais - o que seria muito útil no Brasil, pois as Juntas de Conciliação e os Tribunais do Trabalho estão entupidos com quase 2,5 milhões de reclamações individuais.

Para se criar um ambiente favorável à arbitragem, a nossa legislação trabalhista precisa transformar direitos rígidos em direitos negociados.

A flexibilização dos direitos não significa revogação de direitos. Significa, ao contrário, a manutenção dos direitos atuais e a abertura da possibilidade das partes negociarem de forma diferente da lei, se assim desejarem.

O uso da arbitragem em conflitos coletivos – muito raro - ocorre nos setores nos quais a greve é proibida (polícia, correios, bombeiros, hospitais, etc.) e, mais raro ainda, em atividades não essenciais, quando o contrato prevê a sua utilização para esse fim.

A regra geral, portanto, é usar arbitragem para conflitos individuais. A Austrália é ainda uma das poucas exceções. A arbitragem compulsória para conflitos coletivos foi ali introduzida em 1920 para definir cláusulas mínimas a serem seguidas por toda a categoria de um estado. Os laudos arbitrais dos tribunais de arbitragem ("awards") tinham quase a mesma força das sentenças normativas da Justiça do Trabalho no Brasil.

Mas nos últimos dez anos, o sistema australiano passou por profundas revisões (Russel D. Lansbury e Greg J. Bamber, The End of Institutionalized Industrial Relations in Australia?, 1998). As negociações estão se tornando cada vez mais descentralizadas (em direção ao nível das empresas).

A Lei dos Contratos Flexíveis (1993) eliminou até mesmo a necessidade da presença do sindicato nas negociações entre empregados e empregadores (Carol B. Fox e outros, Industrial Relations in Australia, 1995).

A Lei das Relações no Ambiente de Trabalho (1996) restringiu as cláusulas arbitráveis a apenas vinte, todas muito genéricas. Os projetos de lei hoje em andamento no Parlamento e em vários estados da Austrália visam eliminar a compulsoriedade da arbitragem em conflitos coletivos de uma vez por todas, como fez a Nova Zelândia em 1991 (Industrial Relations and Management Letter, Melbourne 1998).

Na maioria dos países avançados, os conflitos coletivos decorrentes de impasses na negociação, antes de chegar a um contrato, são dirimidos pelas próprias partes ou com a ajuda da mediação. Ao mediador cabe induzir as partes a chegar a um acordo. E isso é conseguido com bastante sucesso.

Em suma, a teoria e a prática indicam que a arbitragem é eficiente para conflitos individuais e a mediação, para conflitos coletivos. Convém ao Brasil considerar bem as especialidades desses instrumentos e arranjar bons argumentos para eventualmente manter os sinais invertidos nas várias medidas provisórias, leis ordinárias e até mesmo na Constituição Federal, que insistem em recomendar a arbitragem para conflitos coletivos e a Justiça do Trabalho para conflitos individuais.