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Publicado em O Estado de S. Paulo, 11/05/1999

Flexibilidade no trabalho: sucessos e fracassos

Os que são contra a modernização dos direitos trabalhistas costumam citar a Espanha como um país que tornou as leis trabalhistas mais flexíveis e o desemprego aumentou.

Numa hora em que o Brasil está sendo pressionado para fazer o mesmo, convém examinar com o devido cuidado a relação entre flexibilidade e desemprego.

é verdade que a Espanha bateu o recorde de 24% de desemprego em 1994, depois de ter introduzido, ao longo dos anos 80, algumas leis flexíveis no mercado de trabalho.

A literatura mostra que o efeito de leis flexíveis é demorado. A Inglaterra e a Holanda afastaram da rigidez de suas instituições trabalhistas no início dos anos 80 e só colheram os primeiro frutos no fim da década de 90.

Mudanças legais são difíceis de serem digeridas e levam tempo para entrar no repertório institucional da sociedade e gerar efeitos no mercado de trabalho.

O desemprego na Espanha ainda continua alto - 18%. Mas atribuir esse fato às reformas realizadas, por várias razões, constitui grave erro.

1. As reformas espanholas não foram contínuas. Elas passaram por um processo de "stop-and-go". Muitas foram de curta duração. Por exemplo, a contratação por prazo determinado, aprovada na década de 80, foi revogada em meados dos anos 90. Não se pode reprovar uma medicação que foi suspensa no momento em que começaria a agir.

2. O desemprego na Espanha decorre até hoje, em grande parte, da destruição de 3 milhões de postos de trabalho na agricultura que, entre 1975-95, passou por forte processo de modernização tecnológica. Isso nada teve a ver com as reformas.

3. Os últimos choques econômicos foram mais desastrosos na Espanha. Só ali a crise do petróleo dos anos 70, o aumento de salários no início da década de 80 e a grave recessão da primeira metade dos anos 90 produziram 24% de desemprego. Foi a combinação dos choques com a rigidez legislativa que levaram a Espanha a ficar naquela situação por quase três décadas - e não as mini-reformas realizadas.

4. Os benefícios generosos da seguridade social tornaram o desemprego uma alternativa atraente na Espanha. Trabalhadores desempregados chegam a receber até hoje e durante 12 meses, o equivalente a mais de US$ 800.00 por mês, sendo que muitos deles, ainda trabalham no mercado informal (Juan J. Dolado e Juan F. Jimeno, The Causas of Spanish Unemployment, 1997).

5. Mais importante do que tudo isso é que a Espanha nunca chegou a fazer uma reforma de profundidade no campo trabalhista. Examinando bem a fundo, verifica-se que o Pacto de Moncloa e as reformas parciais dos anos 80 (Estatuto de los Trabajadores e Odenanzas Laborales) mantiveram intactas as características básicas do sistema protetor franquista. Em outras palavras, os ingredientes do moderno Estado de Bem Estar foram sobrepostos à estrutura corporativista criada por Franco, sem remover as suas rigidezes. A interação desses dois sistemas contraditórios teve um efeito devastador no emprego (Jeffrey R. Franks, Explaining Unemployment in Spain, 1994).

Apesar de tudo isso, o governo espanhol não desistiu de modernizar as instituições do trabalho. Medidas revogadas têm sido reformuladas, e reapresentadas ao parlamento para nova consideração.

A economia espanhola passa por uma fase de animadora recuperação. No período de 1997-98, a Espanha criou cerca de 700 mil empregos, que representaram mais da metade do total de novos postos de trabalho gerados em toda a União Européia. O país começa a atrair grandes investimentos produtivos do exterior. Os avanços da privatização continuam.

No início de 1999, o Poder Executivo, com respaldo legislativo, aprovou um alívio de encargos sociais para os empregadores que criarem mais empregos, tendo lançado ainda um forte programa de emprego para mulheres e pessoas de meia idade (acima de 45 anos), com forte ênfase no turismo, comércio e construção civil. O governo espera criar 400 mil postos de trabalho, anualmente, até o ano 2002, o que trará a taxa de desemprego da Espanha para 12%.

Quando se fala em reforma trabalhista no Brasil, é comum ouvir-se a tentativa de repetir o erro da Espanha no final dos anos 70, ou seja, o de colocar modelitos modernos em cima do esqueletos caquéticos.

Sobrepor sistemas de proteção antagônicos é perigoso. Nunca deu certo. é o que pode acontecer com a idéia de tornar flexíveis as regras trabalhistas sem mexer na Constituição Federal e na CLT atuais. Isso produzirá efeitos secundários devastadores que, certamente, acabarão com qualquer benefício de medidas mais flexíveis e ajustadas às características da economia atual. Em lugar de gerar postos de trabalho decentes, vamos fazer prosperar a indecência do mercado informal. Convém pensar bem em tais efeitos antes de se entrar numa aventura desse tipo.