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Publicado em O Estado de S. Paulo, 30/03/1999

O novo mundo do trabalho

"Por que vou me preocupar com o futuro se ele nunca fez nada de bom para mim?"

Se você é dessa filosofia, não leia este artigo. Mas se você é jovem ou tem filhos e netos, veja o que o diz o Professor Richard M. Locke, do Massachussets Institute of Technology (MIT), um dos maiores especialistas em trabalho que visitou o Brasil na semana passada.

Em praticamente todos os países do mundo estão ocorrendo as seguintes mudanças:

1. Diminuem os empregos fixos e aumentam as outras modalidades de trabalho (autônomo, subcontratado, por projeto, por prazo determinado, tempo parcial, etc.).

2. O salário fixo perde força como única forma de remuneração, surgindo em seu lugar o salário variável, atrelado à tarefa, qualidade e produtividade.

3. As pirâmides hierárquicas das empresas se simplificam cada vez mais, passando-se grande parte da responsabilidade para os trabalhadores da base.

4. A ação dos sindicatos diminui, surgindo em seu lugar a negociação direta entre trabalhadores e empresas (The Future of Work and Employment Relations, 1999).

Se você acha que isso está longe da realidade brasileira, observe o que diz o Presidente da Social Democracia Sindical (SDS), Enilson Simões de Moura - o Alemão, em documento recente:

1. Os empregos com carteira assinada no Brasil caíram quase 3% em 1998, e a tendência é de cair mais.

2. Em todo o mundo, a queda desses empregos está sendo compensada pelo aumento do trabalho, fora da carteira assinada, aqui caracterizado como "informal".

3. é preciso buscar maneiras de formalizar esse informal em novas bases, diferentes da rigidez da legislação trabalhista atual, que se concentra apenas no emprego, voltando-se o foco para o trabalho (Proposta da SDS para Geração de Trabalho, 1999).

Locke, pesquisador, lá nos Estados Unidos, e o Alemão, sindicalista, aqui no Brasil, sem se conhecerem, chegaram ao mesmo diagnóstico. O novo trabalho está requerendo novas instituições.

No modelo do emprego fixo, o trabalho era visto como uma espécie de casamento entre o trabalhador e a empresa. No modelo emergente, o trabalho se baseia em uma sucessão de divórcios e recasamentos. Reduz-se a responsabilidade da empresa para manter o emprego e aumenta a dos trabalhadores para avançar na sua trajetória profissional (Peter Cappelli, The New Deal at Work, 1999).

Ocorre que essas mudanças não são neutras do ponto de vista social. Pensem nas seguintes conseqüências:

1. No passado, o desemprego, a doença e a velhice eram amparados pela família. Hoje, a família diminuiu de tamanho e as mulheres trabalham fora de casa. Como pode essa família cuidar dos desempregados, doentes e idosos?

2. Qual é a instituição que vai proteger essas pessoas, se o seguro-desemprego e as atuais instituições de saúde e previdência social, direta e indiretamente, dependem de receitas amarradas ao declinante emprego fixo?

3. Mesmo os planos de previdência privada mantidos por empresas e trabalhadores estão atrelados à noção de emprego fixo. Como serão capitalizados no modelo do trabalho variável?

4. No mundo em que cada um é responsável pelo seu sucesso e tudo depende de permanente atualização profissional, quais são as instituições que vão garantir a referida atualização se as que existem atualmente (escolas) mal dão conta de educar as crianças em idade escolar?

Estamos diante de uma situação em que a realidade muda mais depressa do que as instituições. Se o ajuste não for feito logo, os desdobramentos sociais das mudanças serão tão devastadores que, ao tomar consciência deles, a primeira reação será a de gritar: parem o mundo porque eu quero descer.

Como não há nenhum sinal de reversão da tendência descrita, só resta começar a construir novas instituições.

Para os trabalhadores não basta a propaganda à respeito das virtudes do novo modelo e o enaltecimento do trabalho mais livre, a valorização da competência e as promessas de sucesso. Eles não podem ficar sem proteções, só porque vão sair do mundo do emprego fixo.

Mas, que tipo de proteções? Financiadas por quem? Abrangendo quais grupos?

Como seres humanos, precisamos saber o que será de nossas vidas na hora de pouco trabalho, da doença e da velhice. A busca de novas instituições é tarefa urgente não só para os que lidam com os atuais sistemas de proteção (previdência pública e privada, órgãos de saúde, seguro-desemprego, etc.) mas para todos os que estão interessados em evitar um mal intolerável para si e seus filhos.

Em vista da irreversibilidade das mudanças e do hiato crescente entre instituições e realidade, não há como ignorar a pergunta inicial. Temos de nos preocupar já com o futuro - e muito.