Publicado em O Estado de S. Paulo, 03/02/1998
Veto desastroso
No artigo publicado nesta página no dia 20-01-98, ressaltei que um dos principais avanços da lei da contratação por prazo determinado era a possibilidade aberta às empresas com até 20 empregados para contratar e, sobretudo, formalizar empregados, mediante um acordo direto entre empregado e empregador.
Esse dispositivo foi vetado pelo Presidente da República. Na lei aprovada - pasmem! - a contratação de um único empregado dependerá de prévia aprovação do respectivo sindicato de trabalhadores.
Os que conhecem o mercado de trabalho, sabem que as empresas com até 20 empregados - micro e pequenas empresas - não têm "know-how" nessa área. São raríssimos os casos de negociação coletiva e acordo coletivo realizados por barbearias, quitandas, lanchonetes ou oficinas mecânicas. Nas mesas redondas realizadas nas delegacias do trabalho do Brasil, a proporção de empresas com até 20 empregados está bem abaixo dos 10%, em média.
A nova lei é útil para as empresas e os trabalhadores que estão acostumados a negociar e fazer acordos coletivos e também para os que desejam praticar a jornada de trabalho flexível (banco de horas).
Mas, para as micro e pequenas empresas, a parafernália burocrática criada pelo referido veto não tem nada a ver com a sua realidade - razão pela qual, em todos os países, a contratação por prazo determinado, para tais empresas, é realizada mediante acordo escrito entre empregado e empregador, como estava no projeto aprovado pelo Congresso Nacional, e como foi recentemente sancionado pelo Presidente Carlos Ménem na Argentina, dentre outros exemplos.
Não sou daqueles que põem fé exagerada no poder empregador das micro e pequenas empresas. Mas, não se pode ignorar que elas têm contribuído para o aumento dos postos de trabalho no Brasil. Nas empresas de 10 a 19 empregados, segundo os dados da RAIS de 1986-93, o emprego cresceu 15%; nas de 5 a 9, 22%; nas de 1 a 4, 35%; e nas de nenhum empregado (só o dono), 50%.
Nesse mesmo período, as empresas de mais de mil empregados, reduziram os postos de trabalho em -5%; as de 500 a 999, em -2%; e as de 250 a 499, em -3% (Perspectivas das Micro e Pequenas Empresas, FIPE, 1997). Depois de 1993, embora os dados da RAIS não estejam disponíveis, as maiores empresas continuaram encolhendo, e as menores se multiplicando.
Sabe-se também que muitas das micro e pequenas empresas mantém uma parte de seus empregados na legalidade e outra na ilegalidade (sem registro em carteira). Os dados do SEBRAE mostram que 60% dos empregados informais, estão em empresas com menos de 5 empregados. Portanto, elas têm um bom potencial para formalizar contratos de trabalho.
Esse era o objetivo básico da nova lei. Com o veto, tudo mudou. Para contratar mais um barbeiro, a barbearia de cinco empregados terá de percorrer e vencer, previamente, uma longa, penosa e desconhecida burocracia sindical, a saber: (1) entrar em contato com o sindicato dos trabalhadores; (2) agendar uma negociação coletiva; (3) realizá-la em tempo hábil; (4) firmar um acordo coletivo no qual fica autorizada a contratar o novo empregado; (5) observar os limites legais, inclusive o da média de empregados antes da lei; (6) e, finalmente, contratar o barbeiro, economizando, com isso, 18,5% de encargos sociais.
Você acha que as barbearias do seu bairro, assim como as demais micro e pequenas empresas do Brasil, vão percorrer essa via sacra? Digamos que, por uma hipótese heróica, elas decidam assim proceder. Os sindicatos terão condições de realizar os milhões de acordos coletivos para dar base legal às contratações?
Penso que não. Com o veto presidencial, essa lei tornou-se utópica para as empresas que mais poderiam contribuir para a formalização de empregos, concedendo aos que torciam pelo seu fracasso, os ingredientes infalíveis para uma profecia auto-realizável. Dizem que escrever leis de boa qualidade é tão difícil quanto cumpri-las. Está aí um bom exemplo.
A nova lei, como sancionada, além de não ajudar a gerar empregos nas micro e pequenas empresas, tenderá a agravar a confusão reinante na área trabalhista. Sim, porque muitas delas contratarão novos trabalhadores na base do prazo determinado, mas sem obter o aval exigido.
é aí que mora o perigo pois, na hora da demissão, o empregado assim contratado, alegando desobediência à lei, recorrerá à Justiça do Trabalho, reivindicando o pagamento da diferença do FGTS e a indenização de dispensa. Ao juiz não restará outra alternativa senão a de condenar a empresa a pagar todos os encargos sociais não recolhidos, com multas e juros acumulados.
A nova lei contribuirá, assim, para agravar o congestionamento na Justiça do Trabalho (que já lida com 2,5 milhões de processos), aumentando a conflituosidade entre empregados e empregadores, e enrijecendo ainda mais a CLT atual. Duvido que tenha sido essa a intenção do Presidente da República.
Se o País deseja realmente modernizar a legislação trabalhista, tornando-a mais ágil e amigável, o lapso terá de ser corrigido pelo Congresso Nacional, derrubando-se o veto presidencial e restaurando-se o que foi aprovado nas várias comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (inclusive as de Constituição e Justiça), e votado pelos respectivos plenários.
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