Publicado no Jornal da Tarde, 25/06/2003.
Reações às reformas
Normalmente, reformas sociais provocam fortes reações. É sempre assim, e em todos os países. No Brasil, o Presidente Fernando Henrique Cardoso teve de recuar, logo no início do seu primeiro mandato, ao ver o país alvoroçado contra a reforma da previdência social.
O Presidente Lula está enfrentando o mesmo problema embora com menor virulência pois conta com o apoio de grande parte dos partidos que, no passado, tentaram reformar a Previdência Social sem sucesso.
Mesmo assim as reações das últimas semanas revelam uma escalada crescente. Os principais reacionários são os servidores públicos, inclusive magistrados, uma vez que a reforma proposta focaliza com maior ênfase o regime do funcionalismo.
Como explicar essa reação? Será que os servidores não estão convencidos da insustentabilidade do regime atual? Os motivos da reação se ligam a interesse próprio ou a uma falta de confiança na reforma proposta? Os reacionários representam uma grande maioria ou uma poderosa minoria?
É bem provável que, no meio da gritaria geral, haja um pouco de tudo. Muitos não acreditam na falência do regime. Outros não acreditam na reforma. Há os que lutam para manter benefícios consagrados. Ao lado deles, estão minorias poderosas que, no desespero, chegam a ameaçar os reformistas que dependem de seus serviços. Esse é o caso dos juizes, promotores públicos e fiscais.
Para captar as várias dimensões das reações nas pesquisas de opinião pública, é muito importante evitar perguntas diretas do tipo: "Você acha que o sistema atual é sustentável? Você considera a reforma imprescindível? Você concorda que alguma coisa precisa ser feita"?
Perguntas como essas dão respostas óbvias, negativas e inúteis. A metodologia mais adequada recomenda a elaboração de alternativas de respostas como, por exemplo, "você está disposto a fazer um sacrifício agora para garantir a sua aposentadoria no tempo certo ou prefere deixar tudo como está e ficar sem ela daqui há 5 anos"?
Um estudo interessante com esse tipo de perguntas foi feito em quatro países da Europa que enfrentam a mesma resistência em face da reforma previdenciária (Tito Boeri e outros, "Pension reforms and the opinions of European citizens", American Economic Association Papers, vol. 92, no. 2, maio de 2002).
Os resultados obtidos na França, Alemanha, Itália e Espanha foram muito parecidos e é bem provável que o mesmo ocorreria no Brasil.
Uma pequena parcela das pessoas entrevistadas acredita na força da reforma proposta. A maioria acha que, mais cedo ou mais tarde, outras reformas serão necessárias, inclusive em áreas distintas da Previdência Social. Isso indica uma falta de clareza na mente das pessoas ou na explicação apresentada pelos reformistas. Acredito que uma parte da reação brasileira se baseie nesse fato. Apesar de todos os esforços, as explicações da reforma não chegaram no âmago da questão.
O interesse próprio não pode ser subestimado. Dentre as pessoas que reconhecem a insustentabilidade do sistema atual, apenas 20% dos entrevistados daqueles quatro países mostraram uma atitude altruística. Oitenta por cento não aceitam nenhum tipo de reforma a despeito de saber que correm o risco de ficarem sem aposentadorias no final de suas vidas. No Brasil não deve ser diferente mas essa porcentagem tenderia a baixar na medida em que as pessoas se convencessem da capacidade resolutiva da reforma - o que depende, em grande parte, de uma boa explicação.
Dentro de inúmeras respostas homogêneas, surgiram diferenças interessantes entre os países pesquisados. Por exemplo, a maioria dos italianos prefere manter o valor dos benefícios mesmo que seja para trabalhar por mais tempo - aposentadoria postergada. A maioria dos alemães aceita uma redução de benefícios mas não admite postergar a aposentadoria.
A reação das pessoas varia também de acordo com a idade dos entrevistados. Os mais jovens toleram reformas mais ousadas; os mais velhos reagem com muita força. Por isso, muitos países programam as reformas para entrar em vigor depois de 10 ou 15 anos de aprovadas. O Brasil perdeu essa chance desde os anos 70 quando se detectou a insolvência do sistema atual.
A reforma da previdência social será necessariamente desgastante do ponto de vista político como, de resto, acontece com todas as reformas sociais. Mas ela é necessária pois, do contrário, o desgaste será maior ainda. Afinal, um colapso da seguridade social colocaria em risco a ordem social e o próprio regime democrático. Por isso, o desgaste do presente será compensado, seguramente, com a credibilidade do futuro. Isso não exime o governo atual de explicar com mais didatismo o que vai ser feito e as suas chances de sucesso.
|