Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/09/1998
Quem abre mão de proteção?
Um estudo recente mostra que os trabalhadores mais penalizados pela rígida legislação trabalhista são exatamente os mais vulneráveis: os pouco educados; os mais jovens; os de meia idade; as mulheres; e os rurais (Carmém Pagés, The Discrete Inequities of Worker Protection, 1997).
No Brasil, entre os trabalhadores que têm menos de quatro anos de escola, a previdência social é um luxo. Para os que têm diploma universitário, é uma regra. Na média, a informalidade atinge 57% da força de trabalho brasileira. Mas, entre as mulheres, ultrapassa os 65%.
Os trabalhadores mais beneficiados pela redução da rigidez da legislação trabalhista seriam, evidentemente, os desempregados e os da informalidade. é pouco provável, porém, que esses grupos consigam impor suas políticas. O mais plausível é que os melhor protegidos venham a manter a proteção atual às custas dos demais.
é difícil promover uma melhor distribuição da proteção dentro desse sistema. Além da pressão da maioria, a rigidez costuma ser imposta por grupos de interesse através de lobby democrático e organizado. Uma vez implantada, a rigidez tende a ser ampliada.
Quando o sistema é muito rígido, a chance de se adotar políticas que acentuam as desigualdades é grande. Nesse sistema, por exemplo, há uma tendência de se elevar cada vez mais os custos da contratação o que, em conseqüência, reduz o número de contratações.
é isso que, no passado, levou muitos estudiosos a concluir pela impossibilidade de se fazer uma reforma gradual no campo trabalhista (Malcolm Olson, The Logic of Collective Action, 1965).
A massa de trabalhadores desempregados e informais, além de desorganizada, é heterogênea. Um jovem de 18 anos aceita reduzir o custo da dispensa, mas um trabalhador de meia idade não. Ademais, os interesses dos integrantes da força de trabalho são transitórios. Quando as pessoas saem do desemprego, seus objetivos mudam. Por isso, é arriscado contar com o apoio permanente dos desempregados para se fazer a reforma trabalhista. Eles tendem a mudar de posição no momento em que se reempregam.
Mas, se empregados e desempregados são fontes precárias de apoio, como fazer a reforma? As pesquisas mostram que, em determinadas circunstâncias, o apoio dos empregados aumenta. Isso ocorre, por exemplo, quando os empregados são expostos à escalada do desemprego. O medo de um colapso, tende a aumentar a aceitação de remédios amargos. Pesquisas recentes revelam que os brasileiros, que hoje enfrentam 8% de desemprego e 57% de informalidade, consideram seriamente abandonar alguns anéis para segurar os dedos.
A redução da rigidez é mais viável quando o desemprego escala. Politicamente, é mais arriscado perder uma eleição quando o desemprego está subindo do que quando ele está alto. O que apavora o eleitor é decolagem do desemprego e não o seu nível.
Aplicando-se essa teoria ao caso concreto, ironicamente, a reeleição do candidato Fernando Henrique Cardoso pode ser facilitada pela estabilização do desemprego em torno de 8% mas o novo Presidente Fernando Henrique Cardoso, se eleito, precisará de uma escalada do desemprego que garanta o clima para promover a necessária reforma trabalhista.
é claro que os fenômenos sociais não se sujeitam a manipulações de laboratório. Mas, parece evidente que a implementação de uma reforma trabalhista conseqüente terá de contar com o apoio dos que estão empregados no mercado formal - ou seja, dos protegidos.
Nesse ponto, cresce o papel do gradualismo (Gilles Saint-Paul, High Unemployment from a Political Economy Perspective, 1997). A estratégia não é simples mas vale a pena entendê-la.
A redução dos custos da dispensa, por exemplo, só terá o apoio dos empregados se estes perceberem que a mudança não piorará a sua situação. Uma das maneiras de se fazer isso é reduzindo esses custos da admissão somente para os novos empregados. Uma outra maneira é a implantação do banco de horas para permitir a redução do custo da hora-extra. Os dois expedientes estão coberto pela Lei 9.601/98 que trata do contrato por prazo determinado e da compensação de horário.
Mecanismos como esses têm um grande poder de cooptação sadia da massa protegida e são muito importantes para se chegar às necessárias reformas constitucionais no campo do trabalho. Vale a pena multiplicá-los.
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