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Publicado em O Estado de S. Paulo, 07/07/1998

Uma greve contra a globalização

Numa época em que quase não se ouve falar em greve no setor industrial, a General Motors, nos Estados Unidos, foi afetada por uma paralisação que já dura quase um mês! A greve dos 9 mil trabalhadores da fábrica de Flint (Michigan) atingiu 162 mil trabalhadores de 26 fábricas da GM, por dependerem de autopeças produzidas pela primeira.

Trata-se de uma mega-greve em uma mega-empresa. Em 1996, a GM faturou US$ 164 bilhões, sendo US$ 100 bilhões nos Estados Unidos onde emprega 224 mil trabalhadores de produção (horistas). Os prejuízos dessa greve são fantásticos. Nos primeiros quinze dias, a empresa perdeu US$ 1 bilhão.

Os trabalhadores da GM estão entre os mais bem pagos do país. Os benefícios são de primeira qualidade. Só com os convênios de saúde, a GM gasta quase US$ 5 bilhões por ano, sem nenhuma contrapartida dos trabalhadores.

Então, por quê a greve? Trata-se de uma mobilização contra a mudança de métodos de trabalho. Para manter-se competitiva, a empresa chegou à conclusão que não existe outra maneira senão tornar-se mundial na criação, compras, produção, vendas e administração. Em 1996, a GM decidiu implementar um plano para, em três anos, integrar todas as suas atividades em escala planetária, buscando com isso, maximizar as vantagens comparativas de cada uma de suas unidades espalhadas pelo mundo. Nesse processo, a empresa buscará comprar fora, tudo aquilo que se tornou desvantajoso produzir dentro.

Portanto, o mundo está diante de um dos mais avançados casos de globalização industrial. Os trabalhadores não gostam dos novos métodos de produção e, menos ainda, da dispensa de empregados. Alegam que as mudanças propostas redundarão em trabalho mais acelerado (o que é ruim para a saúde e segurança) e as compras fora, na destruição de 2.500 empregos diretos e mais de 10 mil em Flint.

O poderoso sindicato do setor automobilístico, o UAW - United Auto Workers, levando em conta o alto nível de demanda de mão-de-obra e a escassez de trabalhadores que hoje predomina nos Estados Unidos, calculou ser esta a hora certa para dar uma boa lição à GM - e partiu para a greve.

A empresa, por seu turno, radicalizou de forma impensável para os padrões brasileiros: reduziu seus gastos em 50%; suspendeu os salários dos grevistas; e cancelou os seus convênios de saúde, deixando claro que a decisão de modificar os métodos de produção é irreversível e essencial para aumentar a competitividade e garantir o emprego dos que ficarem na empresa - uma questão de vida ou morte.

Essa greve nos ensinou duas lições: (1) O UAW, um sindicato evoluído e que, no passado, fez inúmeras concessões para a GM (Charlotte Yates, North American Autoworkers' Response to Resctructuring, 1992) parece ter chegado ao basta, passando a usar estrategicamente as condições favoráveis do mercado de trabalho e o seu alto poder de fogo para conter a "fúria de modernidade" da empresa. (2) A GM, uma empresa moderna do ponto de vista tecnológico, parece ter chegado ao ponto de dar uma grande virada nos hábitos de trabalho por ela mesmo cultivados ao longo de muitas décadas.

Trata-se, assim, de um espetacular braço-de-ferro que é jogado entre dois contendores de muita força, sendo a vilã da história, a conhecida e criticada globalização.

Quem vencerá? é difícil dizer. Mas, é bem provável que, como ocorre em toda negociação, cada parte venha a fazer alguma concessão. E é só nesse campo que se pode esperar uma solução do conflito.

No meio de tanto desgaste para os trabalhadores e gigantescos prejuízos para a empresa, ao contrário do que ocorreria no Brasil, ninguém cogitou de "instaurar um dissídio coletivo" para julgar a legalidade da greve. Isso é coisa de quem se ilude com a impotência das leis e dos tribunais para resolver um problema que jamais poderá ser solucionado por legislação ou sentença judicial.

Tudo indica que, para conter os excessos da globalização, terão mais chance os povos que souberem negociar de forma racional e conseqüente. Se a globalização é inevitável, a competência negocial é essencial para tirar proveito dos novos tempos.