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Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/06/1998

A centralização da negociação

As duas principais centrais sindicais (CUT e Força Sindical) não se conformam com disparidades salariais existentes no mesmo setor e nas mesmas profissões. Por quê um ferramenteiro que trabalha em uma montadora de automóveis em Betim, em Minas Gerais, ganha quase 40% a menos do que seu colega das montadoras do ABC, em São Paulo? Se o preço do automóvel produzido em Minas Gerais e em São Paulo é praticamente o mesmo, por quê os salários devem ser diferentes? Não seria o caso de se buscar um sistema capaz de garantir um nivelamento por cima?

Para operacionalizar tal sistema, a CUT aprovou recentemente a criação de um Sindicato Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos para negociar a nível nacional. A Força Sindical está reestruturando a sua Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos com a mesma finalidade.

As pesquisas sobre o assunto mostram, de fato, que negociações centralizadas tendem a produzir menos dispersão salarial. A centralização melhora a informação, facilita a coordenação e evita excessos. A Alemanha, dentre outros, praticou esse sistema durante vários anos e com bons resultados para as duas partes.

De uns tempos para cá, porém, muitas mudanças ocorreram. Com o aperto da competição, ficou difícil ajustar os salários à produtividade no nível das empresas quando esses salários eram negociados nacionalmente. As empresas alemãs passaram a reagir muito lentamente aos choques da competição o que, por sua vez, reduziu a sua competitividade e a sua capacidade de gerar empregos.

Com a unificação das duas Alemanhas o problema se tornou mais crítico. Por isso, muitas empresas começaram a sair dos pactos nacionais, passando a remunerar abaixo do negociado. O mesmo ocorreu em relação à extensão da jornada de trabalho, licenças e benefícios (Robert Corker e outros, United Germany: The First Five Years, 1996).

Visando resolver o mesmo problema, a Lei do Emprego de 1982 e a Lei Sindical de 1984 interromperam a longa tendência de negociações centralizadas na Inglaterra, introduzindo sistemas descentralizados. Os países de grande tradição de centralismo - Escandivávia - estão gradualmente se orientando para negociações a nível de empresa. O Japão, os Tigres Asiáticos e os Estados Unidos praticam isso há muito tempo. A Nova Zelândia saiu do centralismo em 1991.

Mas, se a centralização produz uma certa ordem salarial, a descentralização produz a desordem?

Os dados mostram, de fato, que os salários se tornam mais desiguais na descentralização. Mas, em condições de forte competição entre as empresas, a desigualdade se reduz e a negociação descentralizada acaba produzindo tanta moderação salarial quanto a centralizada (Ramana Ramaswamy e Eswar Prasad, Schocks and Structural Breaks, 1994).

Complicada é a operação de um sistema intermediário em ambientes pouco competitivos como o do Brasil. Durante muitos anos, sindicatos bem organizados do ABC pressionaram empresas oligopolizadas por aumentos excessivos que, por sua vez, corriam ao CIP (Comissão Interministerial de Preços), onde obtinham a autorização para aumentar os preços dos veículos. Não havia porque se preocupar com o ajuste do salário à produtividade dos trabalhadores pois, essas e outras ineficiências eram confortavelmente transferidas para os seus reféns - os consumidores.

Muitas mudanças foram introduzidas no ABC, é verdade. Mas, as velhas estruturas de cargos e salários fizeram sobreviver disparidades que persistem até hoje, mesmo porque a alta gerência, que deveria defender mudanças mais profundas, tem interesses próprios e ocupa posições privilegiadas naquelas estruturas.

A rigidez criada no mercado de trabalho do ABC trouxe sérios prejuízos para trabalhadores. Muitas empresas saíram da região, deixando para trás os sindicatos e os desempregados. Outras ali continuaram, mas reduziram seus quadros e exigiram dos remanescentes a troca de salários por empregos. Enquanto isso, as montadoras dos outros estados expandiram produção, produtividade, salário e emprego.

O sistema de negociação centralizada, embora alcance o pretendido objetivo da homogeneização salarial, compromete a capacidade de reação das empresas e, mais adiante, o emprego dos trabalhadores.

No Brasil, o setor bancário pratica a negociação em nível nacional há vários anos. Como ocorreu com as montadoras, os bancos tiveram pouco com que se preocupar com a produtividade no passado, pois os gigantescos ganhos oriundos do floating e da inflação garantiram-lhes, sem dor de cabeça, uma posição confortável.

Resta saber o que acontecerá com a negociação nacional na estabilização e depois da entrada dos bancos estrangeiros e aumento da competição. Até que ponto aquele tipo de negociação apoiará o ajuste fino que terá de ser feito entre salário e produtividade nos anos futuros?

Certamente, essas e outras considerações serão levadas em conta na tentativa de se implantar um sistema de negociação nacional no setor industrial. O mais importante para a competitividade e o emprego, porém, seria a redução do peso da legislação e a ampliação do espaço da negociação para que as partes pudessem deixar de lado o teatro, e partir para um sistema de trocas realistas e eficientes.