Publicado em O Estado de S. Paulo, 03/03/1998
A crise do sindicalismo
O sindicalismo está numa encruzilhada. Inúmeros fatores conspiram contra os sindicatos no mundo inteiro: a revolução tecnológica, os novos métodos de produção, a privatização, o encolhimento das empresas, a escalada da globalização, a desindustrialização da mão-de-obra, a presença crescente da mulher no mercado de trabalho e o desemprego.
As inovações tecnológicas e organizacionais têm sido tão velozes que chefes e subordinados são demandados a estudar conjuntamente os catálogos, manuais de instrução e o próprio manejo das novas tecnologias. O diálogo entre capital e trabalho está aumentando. Empregados e empregadores descobriram que jamais conseguirão ganhar a guerra externa - da competição - se continuarem com a guerra interna no velho estilo da desconfiança e confrontação.
As novas tecnologias e métodos de produção estão permitindo a modernização de pequenas e médias empresas, reduzindo a prevalência das mega-organizações nas quais os sindicatos podiam exercer sua ação concentrada. Na esteira desse processo, há também uma fantástica redução da mão-de-obra industrial (concentrada) e uma rápida expansão dos profissionais do comércio e serviços (atomizados).
Simultaneamente, observa-se o movimento mundial de desregulamentação das relações do trabalho e o avanço das novas formas de trabalhar: trabalho por projeto, subcontratado, terceirizado, tele-trabalho, jornadas flexíveis, nas quais fica mais difícil arregimentar filiados.
A OIT acaba de publicar o livro "O Trabalho no Mundo: 1997-98" no qual se registram quedas impressionantes na filiação sindical. Com exceção da Espanha, Coréia, Filipinas e Hong Kong, todos os países da tabela abaixo apresentaram enormes reduções na proporção de mão-de-obra sindicalizada.
Variação da Sindicalização em Países Selecionados*
Países |
Período |
Pontos Percentuais |
Variação em % |
Espanha |
1985-94 |
+4,1 |
+56,2 |
Coréia |
1985-95 |
+0,4 |
+4,7 |
Filipinas |
1985-95 |
+4,4 |
+24,1 |
Hong Kong |
1985-94 |
+4,4 |
+30,8 |
Holanda |
1985-95 |
-1,6 |
-6,7 |
Suécia |
1985-94 |
-2,1 |
-2,7 |
Itália |
1985-94 |
-2,3 |
-7,0 |
Estados Unidos |
1985-95 |
-2,3 |
-15,2 |
Bélgica |
1985-95 |
-3,9 |
-9,2 |
Japão |
1985-95 |
-4,0 |
-17,7 |
Chile |
1985-95 |
-4,2 |
-37,3 |
Alemanha (ex-Oriental) |
1985-93 |
-4,9 |
-16,8 |
França |
1985-95 |
-5,5 |
-47,4 |
Alemanha (ex-Ocidental) |
1991-93 |
-7,1 |
-17,2 |
Inglaterra |
1985-95 |
-9,8 |
-27,2 |
Austrália |
1985-95 |
-12,0 |
-29,6 |
Áustria |
1985-95 |
-15,1 |
-29,2 |
Portugal |
1986-95 |
-21,8 |
-53,7 |
México |
1989-91 |
-23,1 |
-42,7 |
Argentina |
1986-95 |
-23,3 |
-47,9 |
Nova Zelândia |
1986-95 |
-23,9 |
-50,7 |
(*) A terceira coluna refere-se à variação em pontos percentuais de filiados na força de trabalho não agrícola; a quarta coluna refere-se ao aumento ou redução em termos percentuais. Fonte: El Trabajo en el Mundo: 1997-98, Genebra: OIT.
Na Europa, a débacle do sindicalismo é evidente até nos países de larga tradição associativa. Nas ex-Alemanhas, por exemplo, o encolhimento variou entre -4,9 e -7,1 pontos percentuais, representando diminuições de 17,2% e 16,8% no número de filiados. Na Áustria, as reduções foram, respectivamente, de 15,1 pontos e 30% dos filiados!
Em Portugal o enxugamento sindical foi imenso, atingindo mais de 50% de filiados. No México e Argentina, as reduções também foram muito expressivas (42,7% e 47,9%).
Infelizmente, o Brasil não produziu os dados solicitados pela OIT. Mas aqui também há inúmeros sinais de quedas, pois os fatores determinantes do encolhimento sindical no resto do mundo estão presentes entre nós: tecnologia, novos métodos de produção, privatização, globalização, desindustrialização, participação da mulher e desemprego.
Não é a toa que os sindicatos se entregam a todo tipo de expediente para conquistar filiados (rifas, prêmios, viagens, cartão de crédito, etc.). A crise no Brasil só não é maior porque os sindicatos dispõem de uma receita oriunda da contribuição sindical compulsória e porque algumas centrais sindicais como, por exemplo a CUT, mantém em seu cardápio uma variada oferta de serviços relacionados com os problemas de terra, habitação, meio ambiente e minorias que vão muito além da tradicional disputa entre capital e trabalho e, por isso, atraem muitos interessados.
A crise do sindicalismo atinge também as organizações patronais. Na verdade, o ambiente patronal é mais heterogêneo do que o dos trabalhadores. Ao lado das entidades propriamente sindicais, proliferam as associações setoriais que também se propõem a prestar serviços de utilidade para os empresários na defesa de seus interesses. Inúmeros novos sindicatos e federações patronais vêm desafiando o princípio da "unicidade sindical" e ameaçando o poder de monopólio garantido por lei ao "sindicalismo oficial".
Essas pressões estão engrossando o poder explosivo de uma bomba relógio que se instala por trás das entidades de trabalhadores e empresários no Brasil. A confrontação entre capital e trabalho e, mais do que isso, entre os parceiros do mesmo lado poderá ser o caminho mais rápido para a autofagia do atual sistema. Para sobreviver e crescer, as entidades sindicais estão sendo desafiadas a definir papéis criativos e organizar composições que sejam capazes de despertar os genuínos interesses dos seus representados. O atual descolamento da base está com os dias contados.
|