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Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/02/1998

As armadilhas da contribuição sindical

Você acha justo ter de pagar a mensalidade de um clube do qual você não é sócio? Esse é o caso da contribuição sindical no Brasil. Ela é compulsória, por força de lei, e aplicável a todos os empregados e empregadores, sejam eles filiados ou não aos seus respectivos sindicatos.

Colocada dessa maneira, a opção mais comum costuma ser a do voluntarismo: paga quem quer; quem gosta; e quem acha útil. Afinal, ninguém é obrigado a se filiar ou não se filiar a uma associação.

Essa é também a minha opinião no que tange à filiação. Mas, o problema é mais complexo. Permita-me reformular a pergunta inicial da seguinte forma: você acha justo que apenas alguns paguem pela manutenção de um clube quando outros utilizam-se de seus serviços sem nada pagar?

Esse é o caso de empregados e empregadores que se beneficiam dos resultados de uma negociação coletiva que consumiu recursos dos filiados durante as fases da campanha e do próprio processo negocial.

A compreensível preferência por pegar uma carona ("free-rider") gera condutas controvertidas. é difícil justificar o direito de uma pessoa que se aproveita de conquistas conseguidas à custa do sacrifício de outras. Como tratar o oportunismo dos que desejam benefícios sem custos?

Nesse terreno é comum falar-se em "bens públicos" que, por serem de utilidade geral, devem ser pagos por recursos arrecadados pelo governo junto à toda população. Teria sido essa a idéia do Getúlio quando impôs a todos os empregados e empregadores o pagamento da contribuição sindical compulsória?

Mesmo que sim, isso não resolve o dilema atual. Por mais social que seja o seu trabalho, como justificar a cobrança de campanhas decididas por entidades privadas das quais os cobrados não fazem parte delas? Por outro lado, como deixar de cobrar de quem delas se beneficia?

Por exemplo, será que os brasileiros não deveriam pagar pelas campanhas desenvolvidas pelas associações privadas no campo do combate ao câncer, AIDS, criminalidade, e outras? Afinal, todos se beneficiam dos esforços bancados por poucos.

Uma alternativa seria a de limitar os benefícios apenas aos que contribuem. Mas isso é impossível e, ademais, cai fora do propósito dos que se entregam às causas sociais. Outra, seria a de criar uma pressão moral junto aos beneficiários para que escolham entre contribuir ou recusar os benefícios. Mas quem abdica de benefícios?

Isso levanta uma questão intrincada. Será que a liberdade de não se filiar implica necessariamente na liberdade de nada pagar para uma associação da qual uma pessoa obtém gratificações?

Por outro lado, o que me obriga a pagar uma entidade que gasta dinheiro sem que eu participe de suas decisões? Seria eu obrigado a me filiar para então participar? Mas, isso contraria a minha intocável liberdade de não me filiar. Como sair dessa armadilha?

Será que, para proteger o direito de filiação de alguns, eu tenho o direito de forçar a filiação de outros? O que deve prevalecer na hierarquia dos direitos: os individuais ou os coletivos?

Como se vê, uma questão tão mundana como a da contribuição sindical envereda-se por um terreno cheio de antagonismos. Trata-se de um problema complexo mas que foi resolvido com relativo sucesso pelos países que optaram por sistemas de compulsoriedade indireta via contribuições de solidariedade, taxas para não associados, remuneração da negociação e outros.

No Brasil, a Assembléia Nacional Constituinte, em 1987-88, em lugar de enfrentar esse debate, preferiu criar mais uma contribuição sindical - a confederativa. Os sindicatos de empregados e empregadores, aproveitando o embalo, criaram um farto cardápio de contribuições. Hoje, o Brasil não tem nenhuma filosofia sobre o assunto mas possui quatro contribuições sindicais: a confederativa, a associativa, a assistencial e a sindical.

Cada um dos 16 mil sindicatos do Brasil procede à sua maneira, criando uma verdadeira babel tributária na qual, poucos sabem o que deve ser pago. Outros ignoram o que pagam. E a esmagadora maioria não sabe porque paga.

A discussão dessa questão parece urgente no momento em que o Poder Executivo anuncia sua intenção de enviar ao Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional reformulando a contribuição sindical.

Qual será a filosofia desse projeto? Os empregados e os empregadores - não me refiro às entidades sindicais atuais - foram consultados? Eles entenderam a natureza do problema? Estão de acordo com a inspiração dos tecnocrátas do governo?

Aliás, por trás dessa discussão, há outra de profundidade ainda maior e que exige um esclarecimento prévio: qual é o futuro do sindicalismo no Brasil? Os empregados e empregadores querem continuar com sindicatos ou gostariam de dispor de outras instituições para ajudá-los a resolver seus problemas? Como ficam os que não são nem empregados e nem empregadores, como é o caso dos autônomos, dos subcontratados, dos teletrabalhadores, dos terceirizados e dos que trabalham por projeto? Enfim, como colocar uma meia-sola na contribuição sindical sem antes discutir essas questões?