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Publicado em O Estado de S. Paulo, 09/12/1997

Redução de jornada e salário

Ganhar 75% ou ganhar 0%? Esse é o dilema cruel que muitos trabalhadores enfrentam nestes dias em que as empresas têm de escolher entre cortar o salário ou cortar o emprego.

Mas, de quê salário estamos falando: o salário mensal ou o salário hora?

1. Um trabalhador que recebe R$ 1.100 mensais (sem encargos sociais) para trabalhar 220 horas (por mês) ganha R$ 5,00 por hora. Se o corte for de 25% tanto no salário quanto na jornada mensais, ele passará a ganhar R$ 825 para trabalhar 165 horas, mantendo-se, assim, o valor do salário hora em R$ 5,00.

2. Grave seria se a redução de 25% atingisse a jornada e o salário hora. Nesse caso, o trabalhador passaria a receber R$ 619,00 mensais para trabalhar 165 horas, reduzindo-se o seu salário hora de R$ 5,00 para R$ 3,75. Seria um corte dramático.

A solução que está despontando se aproxima da primeira alternativa. Mais do que isso, fala-se em reduzir a jornada em 25% e o salário mensal em 15%. Nesse caso, o mesmo trabalhador receberá R$ 935,00 por 165 horas trabalhadas, o que significa uma elevação do valor do salário hora de R$ 5,00 para R$ 5,67. Acena-se ainda com uma ampliação da segurança de emprego e reposição das "perdas" na hora da retomada da atividade econômica. Se tudo isso vingar, dadas as circunstâncias, será um bom acordo para os trabalhadores.

A redução de salário não é coisa nova. Durante muito tempo os trabalhadores brasileiros foram submetidos a cortes brutais do seu salário real - e sem nenhuma redução de jornada de trabalho. Foi um processo muito mais truculento do que se discute nos dias atuais.

Refiro-me à corrosão do salário que era provocada pela impediosa inflação galopante que, durante décadas, pairou nos ares do Brasil. Repito: a redução do salário real era feita sem nenhuma redução de jornada. Por isso, pelo mesmo trabalho, o trabalhador ganhava cada vez menos. Hoje, com a inflação controlada, os preços sobem pouco e o salário real se mantém - ou até sobe.

Mas, é claro que os trabalhadores têm despesas assumidas e contam com o salário mensal atual que constitui o seu efetivo poder de compra. Para qualquer pessoa, reduzir salário é um desastre. Pior que isso, só mesmo perder o emprego.

Esse tipo de ajuste, porém, tem fortes repercussões econômicas, inclusive para a previdência social. Com menos massa salarial, a sua receita também se reduz, pois as contribuições sociais incidem sobre a folha de salários. Por isso, o processo acaba afetando os aposentados que dependem do INSS e os acidentados e adoentados que dependem do SUS.

Haveria outra saída para esse impasse? é claro que sim. As empresas e os trabalhadores poderiam estar usando remédios bem menos amargos se a lei permitisse.

Infelizmente, a nossa legislação é mais cruel do que a crise. Ela impede que as partes realizem transações inteligentes como as que ocorrem em outros países. No Japão, por exemplo, entre 25% e 40% da remuneração dos trabalhadores são pagos (sem encargos sociais) na forma de bônus atrelados ao desempenho da economia e das empresas. Na hora da crise, o valor desses bônus é reduzido, podendo chegar a zero, o que permite às empresas reter os trabalhadores. Na Europa, o prêmio natalino desempenha o mesmo papel.

Pelo fato de tais parcelas estarem livres de encargos sociais, isso dá muita margem para empresas e trabalhadores se ajustarem, sem precisar apelar para a demissão em massa ou corte de salário mensal.

Entre nós, essa flexibilidade não existe. O 13o. salário (10,91% no salário hora), o descanso semanal remunerado (18,91%), o abono de férias (3,64%) e vários outros encargos sociais são imposições legais de natureza tributária e, portanto, inegociáveis. O mais grave é que as contribuições sociais gravam essas despesas com a mesma força que gravam o salário direto num perverso efeito-cascata no campo da tributação do trabalho.

é essa falta de "leis trabalhistas amigáveis" que leva as partes a adotar soluções tão duras como as discutidas acima, anestesiando sua imaginação. Se fosse possível negociar uma parcela dos encargos sociais compulsórios (que hoje acarretam 102% de despesas sobre o salário hora), neste momento, a criatividade dos negociadores estaria gerando soluções mais construtivas e menos conflitivas.

Convém observar com atenção o enorme esforço que os empregados e empregadores do setor automotivo estão fazendo para evitar o desemprego em massa, buscando-se com isso tirar algumas lições sobre a importância de flexibilizar as leis trabalhistas nos dias atuais.

Oxalá o mundo de Brasília se aproxime do mundo real. Por enquanto, a distância é imensa. Numa hora em que as partes são levadas a reduzir jornada e salário para salvar postos de trabalho, o Congresso Nacional se entretém com projetos que sonham em criar empregos, por lei, através da redução de jornada, sem redução de salários! Está na hora dos nossos parlamentares prestarem um mínimo de homenagem à realidade dos fatos.