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Publicado no Jornal da Tarde, 05/02/2003.

Lições para a União Européia...

Por incrível que pareça, os parlamentares da União Européia têm muito o que apreender com seus colegas do Brasil em matéria de política salarial e benefícios colaterais destinados ao seu próprio bolso.

Há cerca de dois anos, o Parlamento Europeu, que se reúne em Bruxelas com representantes de todos os 15 estados-membros, busca uma solução para remunerar igual, pessoas que realizam o mesmo trabalho. Sim porque aqueles representantes têm remunerações diametralmente diferentes para realizar tarefas absolutamente iguais.

Isso decorre da legislação que, ao criar o Parlamento da União Européia, estabeleceu que os parlamentares ganhariam salários equivalentes ao que ganham os parlamentares que atuam nos congressos nacionais dos respectivos estados-membros.

Isso criou fortes disparidades. Por exemplo, o representante da Alemanha ganha o equivalente a cerca de US$ 85 mil por ano, enquanto que o de Portugal, US$ 23 mil. O mesmo ocorre com as diárias e despesas de viagens.

Durante todo esse tempo, e com base em discussões abertas e democráticas, os parlamentares buscaram uma solução de equidade que ainda não foi encontrada. A busca promete continuar por mais algum tempo, a menos que o Parlamento Europeu decida designar uma comissão de alto nível para vir ao Brasil e ver com que rapidez os nossos parlamentares resolveram a sua situação financeira...

Como todos se lembram, em apenas um minuto e meio de discussão (literalmente), eles aumentaram seus vencimentos em 50%, fazendo-os atingir R$ 12.750,00 por mês. Na última 4ª feira (29/01/2003), no apagar das luzes da legislatura, os congressistas aumentaram a verba para despesas de viagem em 71%, sobrepondo aos novos vencimentos mais R$ 12.000,00 mensais. As despesas para passagens aéreas receberam um aumento de 40%.

Para a desmoralização completa das regras tributárias do país, o Congresso Nacional aprovou uma verba para auxílio moradia no valor de R$ 3.000,00, com nota fiscal, e R$ 2.200,00 sem nota fiscal. É inacreditável que os congressistas criem para eles mesmos um regime de escapatória no campo dos impostos!

Em preciso, corajoso e contundente editorial, publicado em 01/02/2003, o Estado de S. Paulo calculou que, levando em conta todos os benefícios e regalias, inclusive a de receber três meses de vencimentos de "brinde" durante o ano à título de ajuda de custo e por comparecimento às sessões e mais dois salários se houver convocação adicional nos meses de julho e dezembro, somando tudo, cada parlamentar brasileiro custa cerca de R$ 800 mil por ano, ou R$ 66 mil por mês!

Essas medidas foram aprovadas no mínimo prazo e máximo sigilo. Os acordos foram feitos entre lideranças dos vários partidos que, nesse campo, convergiram mais do que depressa para o povo não saber. Foi tudo feito sem alarde e sem as discussões que normalmente se travam na hora de aumentar o salário mínimo – que continua valendo R$ 200,00 por mês – ou os benefícios dos aposentados - que não passam de R$ 330,00 por mês (em média).

Esse tipo de conduta é muito triste, quando praticada logo depois de uma festa democrática tão bonita em que o povo votou com uma extraordinária esperança no futuro do Brasil. Tratam-se de verdadeira afronta a uma gente sofrida e que está sendo socorrida porque tem fome.

Para os jovens e adultos em geral, os parlamentares prestaram um grande desserviço, numa hora em que a Nação organiza conselhos econômicos e sociais e fóruns do trabalho com função de encontrar maneiras civilizadas de trocar sacrifícios entre trabalhadores, aposentados, empresários e outros grupos da sociedade civil.

Teoricamente, esses fóruns cuidarão de gestar anteprojetos de lei a serem remetidos ao Congresso Nacional. Os parlamentares que devem aprová-los já disseram ao povo brasileiro uma coisa muito clara: "todos devem se sacrificar, menos nós. Nós estamos fora da lista. Já arrumamos nossas vidas.

Para os congressistas que assim agiram, os eleitores que se danem, em especial os que vão sentar naqueles conselhos e fóruns para ajudar a amadurecer as reformas previdenciária, tributária, trabalhista e outras. Que decisão infeliz! Que mau exemplo! E que hora imprópria!