Publicado em O Estado de S. Paulo, 16/09/1997
Guerra fiscal e sindicalismo
Para a vida dos sindicatos, o chamado Custo ABC passou a ser um grande tormento. Ele é a versão tupiniquim da globalização. Empresas que outrora localizavam-se confortavelmente no "paraíso do emprego" em Santo André, São Bernardo e São Caetano bateram asas e começaram a pousar em outras paragens.
A concorrência no campo do trabalho se acirra. Além de oferecer incentivos fiscais, os estados do Ceará, Maranhão, Paraná e outros vêm atraindo investimentos com base em salários mais baixos e redução de encargos sociais (através de cooperativas de trabalho).
O piso salarial do setor de calçados do Ceará, por exemplo, é de R$ 166 enquanto que no Rio Grande do Sul é de R$ 233. Via cooperativa de trabalho, os R$ 166 passam para R$ 232 (40% de encargos) enquanto que, via CLT convencional, os R$ 233 pulam para R$ 470 (102% de encargos).
Essas diferenças começam a pesar. Os números do Ministério do Trabalho indicam acréscimos de emprego e salário no nordeste superiores aos do sul e sudeste.
A conflituosidade do ABC levou inúmeras empresas para outras regiões. A FIAT foi para Betim (MG); só contrata pessoas indicadas por funcionários da empresa; e não tem greve desde 1984. A Black & Decker se instalou em Uberaba (MG) e incluiu no seu acordo coletivo uma "cláusula de paz" que garante ausência de paralizações até o ano 2000.
A guerra fiscal carrega embutida uma guerra trabalhista - ambas em busca de competitividade. O sapato brasileiro mais barato que chega nos Estados Unidos custa US$ 5.00 enquanto que o chinês (de mesma qualidade) custa US$ 2.00. As empresas querer e precisam tirar essa diferença.
Isso tem fortes reflexos nos sindicatos. A migração de empresas, internamente, e a pressão da globalização, externamente, têm contribuído para a modificação do pensamento e da conduta dos sindicalistas. Luís Marinho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (CUT), por exemplo, diz que o País está cansado de greves e que o movimento sindical deve buscar um outro estilo de agir. E isso não é só retórica. O número de greves em maio de 1995 foi de 145; em maio de 1997, caiu para 51.
Os sindicatos se queixam dos novos métodos de produção - que usam quadros enxutos e muita terceirização; das políticas assistenciais e dos benefícios não-salariais concedidos pelas empresas; da participação em lucros ou resultados; da descentralização da negociação e de vários outros fatores que caracterizam a economia moderna, competitiva e globalizada.
Até os anos 80, o Brasil tinha cerca de 20% da sua força de trabalho sindicalizada (incluindo os mercados formal e informal). Hoje, são 16%. Os trabalhadores parecem estar mais interessados no emprego do que nos sindicatos. O Estado de S. Paulo de 11/09/97 publicou interessante matéria mostrando os sindicatos oferecendo televisores, motocicletas e automóveis como prêmios para atrair sócios.
O fenômeno é mundial. Entre 1980-93, os sindicatos dos Estados Unidos perderam 3,5 milhões de filiados. A taxa de sindicalização caiu de 23% para 16%. Hoje, está em torno de 14% - sendo apenas 9% no setor privado.
Até os sindicatos alemães - que estão entre os mais fortes do mundo - apresentam sinais de mudança. A central dos químicos (IG Chemie-Papier-Keramik), aceitou em 1996 uma considerável redução de salários em troca da manutenção de empregos. Na DASA, que constrói o Airbus 319 e 321, os empregados que trabalhavam 35 horas por semana voltaram a trabalhar 40, concordando ainda em trabalhar 100 horas adicionais por ano, sem hora-extra. Na Daimler-Benz, a jornada de trabalho também voltou a 40 horas e os empregados, como na Volkswagen, concordaram com a contratação de trabalhadores por prazo determinado e com salários mais baixos do que os seus.
Uma pesquisa realizada nos cinco países de maior liberdade sindical do mundo revelou que um grande número de sindicatos estão procurando se fundir para aliviar seus problemas financeiros e, enfim, sobreviver (Gary N. Chaison, Union Mergers in Hard Times, 1996). Isso está chegando no Brasil. A fusão de sindicatos começa a ser discutida abertamente.
Entre nós, a desfiliação só não causou uma devastação econômica maior porque os sindicatos derivam seus recursos da contribuição sindical (imposto sindical) - cobrado de todos os trabalhadores, e não apenas dos filiados. Mas, o encolhimento do emprego formal tem ocasionado uma redução considerável das suas receitas, o que deverá levar muitas entidades a reformular seus métodos de trabalhar, sua estrutura de gastos e suas campanhas de mobilização (greves). O Brasil entra, assim, na fase da reengenharia sindical.
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