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Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/08/1997

O desempenho da Justiça do Trabalho

Por quê o Brasil possui 2,5 milhões de ações trabalhistas enquanto que os Estados Unidos têm apenas 75 mil e o Japão só mil? Será que um juiz japonês é 2.500 vezes mais veloz do que um juiz brasileiro?

O Estado de S. Paulo publicou uma série de reportagens no final de julho de 1997 que apontaram várias distorções nos Tribunais Regionais do Trabalho - desde gastos excessivos com pessoal e obras, até nepotismo e desperdícios de recursos. Os dados apresentados preocupam. A Justiça do Trabalho gasta R$ 2 bilhões por ano para cuidar de 2,5 milhões de processos que têm um valor médio de R$ 800,00.

Além do custo direto, o sistema de resolução de conflitos do Brasil gera uma série de despesas indiretas referentes aos honorários advocatícios; à burocracia que trata do assunto nas empresas e sindicatos; o provisionamento de recursos para ações; e outras. Finalmente, há o custo da morosidade. Afinal, "time is money".

é difícil estimar todos esses custos. Mas, é certo afirmar que para julgar R$ 1,00, o Brasil gasta bem mais de R$ 1,00 - ou seja, tem uma taxa de retorno negativa.

Esse problema não se resolve aumentando o número de juizes mas sim, reduzindo o número de conflitos. A multiplicação de processos trabalhistas corre muito mais depressa do que a ampliação da capacidade dos tribunais. Em 1980, as Juntas de Conciliação e Julgamento lidaram com 500 mil ações.

Em 1990, foram mais de 1 milhão. E, em 1996, chegaram aos mencionados 2,5 milhões.

O orçamento da Justiça do Trabalho tem crescido a ritmo acelerado. Entre 1995-96, houve um aumento real de 20%. Esse ramo da justiça consome mais de 50% dos recursos de todo o Poder Judiciário. Suas despesas correspondem à 40% do que a União gasta com o seguro-desemprego; 50% do que custa o ensino superior; 97% do que é alocado em assistência social; e 111% do que se investe nas rodovias do País (Roberto Fendt e Amauri Temporal, Custos de Transação no Mercado de Trabalho Brasileiro, 1996). Mesmo assim, os tribunais não estão dando conta do recado.

O que explica a avalanche de processos? A raiz do problema está no tipo de legislação que temos. Nos Estados Unidos, por exemplo, as leis federais do trabalho cobrem apenas 6 assuntos: salário-mínimo, desemprego, aposentadoria, treinamento, saúde e negociação. Todo o resto é fixado por acordo individual ou contrato coletivo - com a máxima flexibilidade. As infrações são levadas, não ao juiz mas às instituições estabelecidas pelas próprias partes (conciliação direta, mediação, arbitragem, etc.). A maioria são desvios em relação ao contrato e não à lei.

Entre nós, os conflitos trabalhistas constituem infrações à lei e, evidentemente, têm de ser resolvidos nos tribunais. Entre os 40 países de maior PIB, o Brasil é o único em que a Justiça do Trabalho possui poderes para julgar conflitos de direito e conflitos de interesse. No resto do mundo, onde há Justiça do Trabalho, esta se limita a julgar só os conflitos de natureza jurídica e nunca os econômicos.

No mundo moderno, a fonte dos direitos trabalhistas se baseia preponderantemente no contrato enquanto no Brasil continua se baseando essencialmente na lei. A Constituição Federal do Brasil, que deveria se concentrar na definição dos princípios fundamentais da Nação, detém-se na fixação do valor da hora-extra, piso salarial, jornada de trabalho, turno de revezamento e tantos outros detalhes que, nas nações mais avançadas, são tratados pelas partes.

Essa natureza estatutária do sistema legal, o detalhismo das leis e o monopólio judicial são os grandes responsáveis pelo agigantado volume de ações no Brasil. A nossa legislação é instigadora de conflitos, e não redutora.

Por isso, é injusto culpar os tribunais pelo excesso de conflitos da mesma maneira que é inadequado criticar os juizes por exercerem o poder normativo e julgarem conflitos de natureza econômica. Afinal, essa é a sua responsabilidade constitucional. Quem não estiver contente com isso que proponha mudanças na Constituição.

Como se vê, o grande problema da nossa Justiça do Trabalho está fora dela - na legislação. O mundo do trabalho passa por uma enorme revolução. O Brasil precisa enxugar a legislação trabalhista para se adaptar às mudanças tecnológicas e econômicas que ocorrem nas sociedades competitivas. A fonte do direito tem de deslocar da lei para o contrato. O custo dos conflitos e a responsabilidade de solução precisam ser transferidos às partes para que evitem desavenças banais e aumentem o respeito mútuo.

Com o fim da indexação e das políticas salariais, empregados e empregadores do Brasil deram provas de que sabem negociar. Nos últimos três anos, eles negociaram bem; o salário real aumentou 30%; a produtividade se elevou; e o número de greves caiu. O que falta é flexibilizar a lei e dar mais responsabilidades às partes. A CLT é um caso típico de fadiga institucional. Ela foi feita para uma economia fechada. Exauriu-se. Deveria ser aposentada.