Artigos 

Publicado em O Estado de S. Paulo. 26/02/1996

Limites e virtudes da flexibilização

Uma coisa é certa: a flexibilização dos direitos trabalhistas, sozinha, não cria empregos e, muitos menos, bons empregos. Esses dependem de vários fatores, sobretudo de pesados investimentos nos setores público e privado. O Brasil assiste às primeiras tentativas de flexibilização. Isso é animador. Mas, se o País não voltar a crescer na base de 6% a 7% ao ano, a criação de bons empregos continuará comprometida.

Vejam o caso da Europa. Os países começaram a flexibilizar a legislação e a contratação do trabalho no início da década de 80 e as taxas de desemprego se mantiveram altas até hoje. Teria sido a flexibilização a causa do desemprego? Evidentemente que não. O desemprego decorreu de uma queda brusca nas taxas de crescimento econômico. A Europa, que nos anos 60 desfrutou de taxas da ordem de 4,5% ao ano, despencou para 1,5% na primeira metade dos anos 90 (OIT, El Empleo en el Mundo, Genebra, 1995).

Além disso, os países entraram em cheio no processo de modernização tecnológica, aumentando a produtividade do trabalho, o que passou a exigir taxas de crescimento muito maiores do que as registradas. Dizer que o desemprego na Europa é alto porque ali entrou a flexibilização equivale a afirmar que o incêndio é grande porque há muitas viaturas de bombeiro. Os que defendem essa aberração têm de responder, ainda, quanto seria o desemprego na Europa, com crescimento médio de 1,5%, caso não houvesse a flexibilização.

Mas, afinal, para que serve a flexibilização? A flexibilização tem uma função auxiliar importante. Na Europa, ela ajudou a alocar as pessoas nas novas modalidades de trabalho, tais como o trabalho por projeto, por empreita, em tempo parcial, com prazo determinado, etc. No Brasil, a flexibilização terá um papel adicional estratégico. Ela facilitará a desobstrução dos entraves legais que hoje bloqueiam a entrada das pessoas no mercado formal.

Mais de 55% da nossa força de trabalho está à margem da lei

O excesso de rigidez da Constituição, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e Justiça do Trabalho está provocando uma reação selvagem por parte do mercado. Mais de 55% da nossa força de trabalho já está à margem da lei, sem nenhuma proteção lembrando-se que, nesse caso, o Estado nada arrecada, ficando apenas com ônus de socorrer essas pessoas na doença e na velhice. A "flexibilização selvagem" é o resultado da combinação de pouco investimento com muita rigidez.

O grande problema do Brasil, portanto, é transferir uma parte dessa mão-de-obra desprotegida para o mercado formal. Mas, para se fazer essa travessia, a lei atual "cobra" um pedágio de 102%, o que inviabiliza a viagem (ver tabela). O grande problema dos 102% de encargos sociais é que eles são todos compulsórios e inegociáveis. Isso torna o nosso sistema de relações de trabalho muito rígido e dificulta a entrada no mercado formal. Trata-se de um quadro legal que não admite meio-termo.

é esse meio-termo que se busca com a flexibilização dos direitos, a exemplo do que já pregam os incisos VI e XIV do artigo 7º da Constituição. O primeiro diz que o salário é irredutível, salvo negociação. O segundo diz que a jornada de revezamento é de 6 horas, salvo negociação. A expressão salvo negociação é a chave da flexibilização.

Não se trata de derrogar direitos. Mas apenas de flexibilizá-los para, com isso, criar um total de encargos que fique entre 0% e 102%. Será uma "flexibilização civilizada" que, acoplada a programas de educação, reciclagem e reconversão profissional, permitirá ampliar as oportunidades de trabalho de melhor qualidade para os que estão inteiramente à margem da lei.

ENCARGOS SOCIAIS BÁSICOS DO SETOR INDUSTRIAL
 

% Sobre o Salário

A – Obrigações Sociais

 

Previdência Social

20,00

FGTS

8,00

Salário Educação

2,50

Acidentes do Trabalho (média)

2,00

Sesi

1,50

Senai

1,00

Sebrae

0,60

Incra

0,20

Subtotal A

35,80

B – Tempo não Trabalhado I

 

Repouso Semanal

18,91

Férias

9,45

Feriados

4,36

Abono de Férias

3,64

Aviso Prévio

1,32

Auxílio Enfermidade

0,55

Subtotal B

38,23

C – Tempo não Trabalhado II

 

13º Salário

10,91

Despesa de Rescisão Contratual

2,57

Subtotal C

13,48

D – Reflexos dos Itens Anteriores

 

Incidência Cumulativa Grupo A/B

13,68

Incidência do FGTS s/ 13º Salário

0,87

Subtotal D

14,55

Total Geral

102,06

Fonte: Itens da Constituição e CLT