Publicado em O Estado de S. Paulo. 10/03/1994
FHC2 e a Justiça do Trabalho
O Plano FHC2 reintroduziu entre nós a livre negociação salarial. Isso já foi tentado outras vezes. Sempre sem sucesso. Será que agora pega?
Tudo depende da revisão constitucional no Capítulo da Justiça do Trabalho. Dentre os 40 países de maior PIB do mundo, o Brasil é a única nação em que os Tribunais do Trabalho julgam conflitos de natureza econômica. Muitos países nem possuem Justiça do Trabalho – apenas Justiça comum - , como é o caso do Japão e dos Estados Unidos. Em 1992, o Japão teve apenas mil casos trabalhistas levados à Justiça comum. Os Estados Unidos tiveram pouco mais de 5 mil. O Brasil, mais de 1,5 milhão de ações trabalhistas!
A Assembléia Revisora recebeu inúmeras emendas para limitar o poder da nossa Justiça do Trabalho aos conflitos de natureza jurídica. As corporações do mundo trabalhista (ministros, juízes e advogados) já movimentam o seu sempre eficiente poder de lobby. O argumento, embora falso, é sofisticado. Dizem que, ao implantar a livre negociação, o FHC2 tornou imprescindível manter o poder da Justiça do Trabalho no campo econômico, porque a maior parte dos trabalhadores não sabe ou não tem força para negociar.
Mesmo que tal argumento fosse verdadeiro – o que não é –, pergunta-se: é a Justiça do Trabalho o órgão apropriado para ensinar a negociar ou para conceder poder de negociação aos trabalhadores brasileiros? Por quê? Ela mantém escolas de negociação? O sistema atual estimula a negociação?
No novo quadro, negociar será imperioso, inevitável e inadiável
Nada disso. A realidade é outra. Ao saber que o Estado pode intervir para resolver seus problemas, as partes tendem a se acomodar, passando a usar a Justiça do Trabalho de acordo com as suas conveniências. Quando a solução é favorável às partes (trabalhadores ou empresários), os dirigentes sindicais "faturam" o sucesso da estratégia. Quando é desfavorável, eles culpam a Justiça. Em tudo isso, a Justiça atua como coadjuvante central da política sindical. Quando a solução é salomônica, ela desagrada às duas partes, que, no dia seguinte, têm de trabalhar juntas, debaixo do mesmo teto, e fazendo de conta que nada aconteceu. Que teatro!
é isso que leva muitos autores a falar no "efeito narcótico" desse tipo de Justiça do Trabalho, que, sem dúvida, desestimula a negociação e alimenta o setor que mais cresce na economia brasileira : a indústria de reclamações trabalhistas.
Espero que os senhores congressistas percebam a importância de se limitar o poder da Justiça do Trabalho aos conflitos de natureza jurídica. Isso é vital para o FHC2 e para o futuro do País. Nesse novo quadro, as disputas terão de ser acertadas pelas próprias partes ou pelos mecanismos que elas determinarem. Negociar será imperioso. Inevitável. E inadiável. Ninguém mais poderá usar o comportamento calculista de negociar até um certo ponto – como se faz hoje – e depois entregar o seu problema à decisão do "pai-juiz".
O Brasil é o país que tem:
- O maior número de ações trabalhistas;
- A menor prática de negociação;
- E o maior grau de intervenção da Justiça do Trabalho nos assuntos econômicos.
Está na hora de nos livrarmos desse indigesto coquetel. Afinal, o que queremos? A harmonia da sociedade ou a sustentação das corporações?
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