Publicado em O Estado de S. Paulo. 22/12/1990
Proposta para livre negociação
A recente aceleração inflacionária conspirou fortemente contra a livre negociação salarial no Brasil. Mas, independentemente da taxa de inflação, o Brasil carece de uma base institucional que discipline a negociação no campo trabalhista. Sem isso, ela jamais vingará.
A livre negociação, hoje em dia, se pauta pela Constituição e pela CLT. Os dois institutos contribuem pouco para estimular e disciplinar o processo. A Constituição, apesar de no artigo 7º submeter inúmeras matérias à negociação, no artigo 114 ela permite que as partes se recusem a negociar. A CLT, na parte que trata das convenções coletivas de trabalho, por seu turno, se dedica apenas ao resultado da negociação e não à organização do processo.
O disciplinamento da negociação no Brasil exige três tipos de reformas na CLT: 1º) O estabelecimento da obrigatoriedade de negociar; 2º) A criação de estímulos para negociar e desestimulos para o uso desnecessário da Justiça do Trabalho; 3º) A definição de regras para resolver os conflitos individuais e coletivos por meio da mediação e arbitragem.
Esses três pontos poderiam ser adequadamente resolvidos com modificações de alguns artigos do Título VI da CLT, que passariam a ter a seguinte redação:
Art. 611 – As condições de trabalho e os mecanismos para a resolução de conflitos individuais e coletivos entre empregados e empregadores serão por eles mesmos estabelecidos por meio de negociação coletiva, livre e direta, sem prejuízo das garantias das leis, dos laudos arbitrais e das sentenças normativas.
Art. 612 – Os dissídios coletivos só poderão ser instaurados após comprovado esforço de negociação coletiva nos termos da sistemática estabelecida nesta lei.
Art. 613 – Empregados e empregadores indicarão à outra parte, 60 dias antes da data-base, uma comissão de negociação, autorizada a negociar e celebrar acordos ou convenções coletivas.
Art. 614 – Ao estabelecer as comissões de negociação, as partes passarão ao repersentante local do Serviço de Mediação e Arbitragem, do Ministério do Trabalho, as seguintes informações: a) o contrato anterior ou vigente; b) as novas pautas de reivindicações; c) o local e o calendário da negociação; d) as comissões credenciadas.
Parágrafo 1º - Dentro de cinco dias, o Serviço de Mediação e Arbitragem colocará à disposição das partes um mediador.
Parágrafo 2º - Ao mediador, a qualquer momento, é facultado o direito de inteirar-se sobre o andamento da negociação.
Parágrafo 3º - O mediador, a requerimento conjunto das partes, poderá intervir na negociação com o objetivo de ajudá-las na superação do impasse.
Parágrafo 4º - Malograda a mediação, o mediador apresentará às partes e ao Serviço de Mediação e Arbitragem um relatório circunstanciado indicando pautas iniciais, a conduta das partes, sua disposição de convergir, pontos conciliados e pontos pendentes.
Art. 615 – A negociação coletiva será realizada de boa-fé, sob sanções desta lei, consttuindo-se condutas de má-fé: a) a tentativa de impor comissões de negociação com membros estanhos às respectivas categorias; b) a recusa à negociação; c) a sonegação de dados; d) o descumprimento do dever de apresentar contrapropostas convergentes; e) a introdução de novas reivindicações na pauta inicial; f) a atitude ostensivamente contrária à mediação; g) a recusa ao laudo arbitral; h) o uso da greve antes de esgotada a negociação; i) a ameaça de despedir os empregados como forma de coação; j) a tentativa de interferência na comissão da outra parte; k) a ofensa moral.
Art. 616 – Frustrada a negociação e malograda a mediação ou mesmo para a resolução de conflito individual, desde que prevista no contrato coletivo de trabalho, as partes poderão recorrer à arbitragem ou, mediante petição conjunta, poderão solicitar instaurar o dissídio coletivo.
Parágrafo 1º - A petição de dissídio coletivo deverá ser acompanhada do relatório do mediador.
Parágrafo 2º - O Tribunal Regional do Trabalho, quando considerar indicado, devolverá o processo às partes para ulterior negociação.
Art. 617 – Os contratos coletivos referem-se apenas às condições de trabalho no âmbito das empresas ou categorias representadas.
Parágrafo 1º - As partes poderão estabelecer sistemas de indexação salarial e proteção do emprego, ajustados à conjuntura econômica e às peculiaridades regionais, setoriais e tecnológicas das empresas ou da categoria econômica e profissional envolvida.
Parágrafo 2º - Os sistemas de indexação salarial e proteção do emprego serão sempre acordados voluntariamente ou com o auxílio de mediador, mas não são sucetíveis de arbitragem ou dissídio coletivo.
Aí está uma sugestão para se estimular a negociação no Brasil. O Serviço de Mediação e Arbitragem foi criado em 1983 pelo Decreto nº 88.984, mas nunca saiu do papel. Sua instituição seria fácil e bem mais barata do que atual sistemática judicial de resolução de conflitos.
A superação de nossa tradição cultural de dependência e proteção já é um obstáculo enorme à adoção da livre negociação. A falta de uma base institucional é outra. O objetivo desta proposta visa tudo fazer para as partes resolverem por si mesmas os seus problemas.
Um país que se desregulamenta não pode ficar amarrado no campo do trabalho. Ademais, é impossível para a Justiça do Trabalho dar vazão à avalanche de milhares de dissídios coletivos, com número crescente de cláusulas complexas, às quais os juízes não podem dedicar, em média, mais do que um minuto por cláusula – segundo estimativa de Hugo Gueiros Bernardes no trabalho O desenvolvimento da negociação coletiva no Brasil. A modernização mais urgente neste País é, sem dúvida, a que abrange suas instituições básicas.
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