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Publicado em O Estado de S. Paulo. 26/07/1990

Participação nos lucros

O governo federal apronta-se para atrelar os aumentos reais de salários aos lucros das empresas levando em conta os avanços de produtividade. A idéia é boa, moderna e oportuna, mas merece um tratamento bastante cuidadoso.

A Constituição de 1988 inovou bastante ao assegurar aos trabalhadores o direito de participar dos lucros ou resultados das empresas, estabelecendo ainda que essa participação não se integra a remuneração (artigo 7o, inciso XI). Ao se ler o referido dispositivo com atenção, notam-se nele cinco virtudes de extremo valor.

1. Ao usar a palavra "resultados", além de lucros, a Constituição abriu um extenso leque para empregados e empregadores a acertarem participaçõe com base em vários tipos de indicadores, como é o caso, por exemplo, dos indicadores físicos (produtividade física, quantidade produzida, economias de insumos etc.); indicadores econômicos (produtividade econômica, faturamento, acréscimo de vendas, velocidade de vendas etc.); indicadores qualitativos (melhoria de qualidade do produto ou do serviço, melhoria da pontualidade, conquista de novos mercados, relacionamento com clientes etc.).

Ao escolher tais indicadores, empregados e empregadores não precisam esperar o fechamento do balanço no fim do ano para saberem o quê e quanto distribuir: as metas podem ser fixadas semestral, trimestral ou até mesmo mensalmente. Além do mais, indicadores como esses são visíveis e de fácil mensuração.

2. Sabiamente a Constituição estabeleceu que essa participação é para ser realizada ao nível da empresa, o que sugere a necessidade de se praticarem negociações descentralizadas. De fato, não faz sentido se falar em participação nos lucros ou resultados para setores econômicos ou categorias profissionais. O assunto é para ser acertado por fábrica, por banco, por loja ou até mesmo por departamento desses estabelecimentos.

3. Ao estabelecer que esse adicional é desvinculado da remuneração – podendo ser até mesmo não-monetário -, o constituinte deixou claro que a referida participação está rigorosamente atrelada ao atingimento das metas acertadas pelas partes. Ou seja, quando se atinge a meta, há participação; quando não se atinge, não há.

A nova sistemática não gera direitos de isonomia, nem sequer entre os empregados

4. Isso implica o fato de que a nova sistemática não cria obrigatoriedade nem habitualidade dessa participação por parte da empresa. E tampouco gera direitos de isonomia entre estabelecimentos, departamentos, secções ou até mesmo entre empregados. Trata-se de um sistema de gratificação integrado a metas atingidas. Com isso, empregados e empregadores passam a perseguir os mesmos objetivos, o que estimula a solidariedade no trabalho e reduz o conflito.

5. Finalmente, a nova sistemática isenta a empresa de encargos sociais na parcela repassada aos seus empregados a título de participação em lucros ou resultados. Isso resolve um grande problema, pois, hoje em dia, para cada cruzeiro que os trabalhadores pleiteam a empresa o interpreta como quase dois cruzeiros, a calcular todos os encargos sociais encolvidos nos adicionais salariais. A participação prevista na Constituição não é salário nem remuneração.

Neste momento em que o governo se entusiasma com essa salutar idéia, sugere-se:

· Que se examinem os projetos já em tramitação no Congresso, especialmente o do senador Fernando Henrique Cardoso (modificado por um acordo no final de 1989), na parte que se refere à negociação ao nível de empresa;

· Que se explore bem o valioso conceito de resultado, e não apenas o de lucros;

· Que se fuja do erro de se atrelar essa participação aos salários ou a qualquer outro tipo de remuneração. Com base nisso, certamente, o Brasil poderá avançar muito no campo trabalhista e amarrar de forma segura ganhos reais a ganhos de produtividade, qualidade, pontualidade, vendas, mercados etc.