Artigos 

Publicado em O Jornal da Tarde,05/06/1996

Aposentadoria flexível

Nos países mais avançados, as pessoas não se aposentam por tempo de serviço mas por idade - em geral, aos 65 anos. Depois disso, vivem mais 15.

No Brasil, as pessoas se aposentam por tempo de serviço e em torno dos 53 anos. Depois disso, vivem mais 18. Ou seja, a nossa previdência tem de "bancar" os aposentados por mais tempo do que a dos países avançados. Isso custa.

Na Inglaterra, os recursos para aposentadoria consomem 4% do PIB. No Japão, 6%. Estados Unidos, 6,5%. No Brasil, 8%. Na Alemanha, Itália e França, 10%. Na Áustria, 15%. E, isso tende a se agravar. Em 1990, os países avançados tinham 18% de pessoas acima de 60 anos. No ano 2030, terão 30%. No Brasil, serão quase 20%.

Os idosos, na sua maioria, são consumidores e não produtores. Eles demandam muito dos serviços de saúde que são caros e tornam a situação aflitiva para os cofres públicos. A combinação de idade com pobreza cria problemas graves para pessoas e nações.

Como não dá para convencer as pessoas a morrerem mais cedo... só resta repensar os sistemas previdenciários. Uma das idéias, é elevar a idade de aposentadoria. Outra, é atrelar os benefícios às contribuições de cada um.

A maioria dos países está praticando as duas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a idade está passando gradualmente de 65 para 67 anos. A Alemanha, Itália e Japão caminham na mesma direção. Na Inglaterra, a aposentadoria das mulheres seguirá a dos homens: 65 anos.

Tais mudanças não são fáceis. De um lado, há a resistência dos que sonham em se aposentar na juventude para gozar o resto vida por conta dos que trabalham. De outro, há a reação do mercado que deseja rejuvenescer continuamente a força de trabalho num mundo em que as novas tecnologias exigem prontidão e adaptabilidade.

O Ministro do Trabalho dos Estados Unidos, Robert Reich, costuma dizer que os trabalhadores mais velhos são confiáveis, conscientes e leais, combinando conhecimento com experiência - o que constitui um valioso capital para as empresas.

Infelizmente, ele ainda não conseguiu convencer o mercado da sua assertiva. A maioria dos empresários acredita que a força física começa a declinar depois dos 30 anos. A visão e a audição, depois dos 45. E a velocidade de raciocínio, à partir dos 50 anos. Por isso, são implacáveis na hora de recrutar e despedir (Ver "A Survey of the Economics of Ageing", in The Economist, 27-01-96).

Esse é um sério obstáculo. De nada adianta elevar a idade de aposentar se o mercado não mantem os idosos nos seus postos de trabalhos. O que fazer para reverter essa situação e mantê-los contribuindo para a previdência?

Começa a ganhar corpo a idéia de se substituir o atual sistema de "guilhotina" por um processo de "aposentadoria flexível" no qual as pessoas vão se aposentando e deixando de trabalhar gradualmente. Os idosos nem ficam e nem saem das empresas. Eles entram numa "plataforma de transição" onde ficam de 5 a 10 anos e que combina trabalho com aposentadoria. No Japão, há empresas que aposentam parcialmente os mais velhos mantendo-os nos mesmos postos em regime de tempo parcial. Outras, promovem a rotação, alocando-os para trabalhos mais simples.

Os "semi-aposentados" combinam uma aposentadoria parcial com um salário reduzido sobre o qual continuam contribuindo para a previdência. Isso começa a aparecer também na Inglaterra e nos Estados Unidos. São maneiras das pessoas pararem aos poucos, de forma lenta e humana.

Nos Estados Unidos, 70% dos que atingem os 65 anos desejam continuar trabalhando (Anne Willette, "Baby Boomers Resist Retiring", in USA Today, 29-04-96). é uma situação muito propícia para o florescimento da aposentadoria flexível. O exercício da criatividade, nesse esquema, é infinito. Em complemento ao reemprego, os idosos montam pequenos negócios ou trabalham como autônomos e até mesmo atuam como "treinadores em serviço", passando aos mais jovens a experiência acumulada.

Como se vê, uma mudança duradoura no campo da previdência exige uma profunda reforma no campo trabalhista. O projeto que a Câmara dos Deputados deixou de aprovar, além de pífio no campo do financiamento, em nada se assemelha as transformações que o país precisa. Se for para recomeçar, não seria bom fazer o que precisa ser feito?