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Publicado em O Jornal da Tarde,17/12/1997

Chegou a hora da boa fé

"Nós não temos escolha. Os empregos devem ser preservados". Essa foi a conclusão dos trabalhadores da BIC na França (canetas) quando, em 1983, aceitaram uma redução de jornada e salários em 25% para salvar a empresa.

O mesmo ocorreu na Bélgica, em 1982, quando a Sabena Transportes Aéreos, para fazer uma restruturação salvadora, negociou uma redução de salários da ordem de 15%. Na Holanda, em 1983, a maior central sindical do país, a CNV, negociou diminuição de 10% de jornada e salários. Na Suíça, em 1986, os relojoeiros concordaram com uma redução da jornada semanal de 41 para 40 horas e 1,2% no salário hora.

Esse tipo de negociação é comum também nos Estados Unidos em horas de crise e restruturação. A maior central automobilística (United Auto Workers) concordou com cortes de jornada e salário hora na Chrysler em 1979, quando, em face de graves dificuldades financeiras, a empresa iniciou um forte processo de mudança. O sindicato da borracha (pneus), no mesmo ano, aceitou reduzir 13% na folha salarial das empresas.

Os exemplos acima se referem aos períodos recessivos. Mas, essa prática continua viva. Em 1995, na Volkswagen da Alemanha, houve redução de jornada e salário. Na DASA, em 1996, (Airbus 319 e 321), os empregados que trabalhavam 35 horas por semana voltaram a trabalhar 40, mantendo o salário anterior, concordando ainda em trabalhar 100 horas adicionais por ano, sem recebimento de hora-extra.

A central sindical dos químicos (IG Chemie-Papier-Keramik), apoiou as negociações por empresa onde o salário foi reduzido em até 10%. Em outros casos, os empregados trocaram salários por participação nos lucros ou resultados.

Nesses casos e para dar um bom exemplo, os salários dos executivos são cortados antes do início das negociações. E isso é amplamente divulgado. Na B. F. Goodrich (pneus), em 1982, os diretores tiveram um corte de 15% enquanto que os trabalhadores sofreram uma redução de 5%. Na Deere and Company (tratores), além de um corte de 15% foram cancelados todos os prêmios e gratificações anuais dos diretores. Em outras as empresas a proporção do corte cresce com o nível de remuneração do diretor podendo chegar a 40% ou 50%.

Para os trabalhadores fica claro que os executivos não possuem imunidade na hora da crise. Muitos cargos da alta administração são eliminados. A Caterpilar, em 1981, rebaixou 650 executivos na escala administrativa. No Japão, o primeiro corte atinge os dividendos dos acionistas; o segundo, a remuneração dos diretores; e, só em última instância, mexe-se com os ganhos dos trabalhadores que, na cultura japonesa, são considerados os menos culpados pelos problemas das empresas.

Nas "negociações de concessões", a participação dos trabalhadores se eleva substancialmente. Eles querem saber como são usadas as economias que as empresas fazem com seus salários, sendo os primeiros a protestar quando percebem que os recursos poupados vão para automatizar além do necessário ou tapar déficits criados por executivos ineficientes.

A negociação de concessões tem uma forte contrapartida na participação. Quando isso não ocorre, os sindicatos se negam a fazer sacrifícios futuros e os dirigentes sindicais perdem credibilidade perante os filiados que aceitaram fazer sacrifícios passados.

A inauguração da temporada de negociações de concessões no Brasil deverá trazer muitas mudanças no relacionamento entre empregados e empresas. Elas vão exigir dados sobre a mesa na mais absoluta prova de boa fé por parte das empresas (o que não tem sido muito comum em grande parte das empresas do Brasil). Nesse tipo de jogo, não há lugar para o blefe. Quem usar, vai usar uma só vez, correndo o risco de ser nacionalmente desmoralizado.