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Publicado em O Jornal da Tarde,18/06/1997

Encargos sociais e revisão constitucional

Esta história é verdadeira. Chegou um chinês numa fábrica de confecções de camisas da Coréia do Sul em Dezembro do ano passado e, gostando da variedade dos tecidos e modelos, encomendou 52 milhões de camisas para serem entregues em 100 dias. Sim, 52 milhões!

Trata-se de um número espantoso para os padrões brasileiros. Mas, na verdade, isso não é nada para um país que tem uma população de mais de 1,2 bilhões de habitantes, em fase inicial de ocidentalização da vestimenta.

O mais incrível é que o coreano, empresário de médio porte, aceitou o pedido. Para dar conta do recado ele imediatamente sub-contratou a gigantesca encomenda com várias fábricas de Cingapura, Taiwan, Malásia, Tailândia, Hong Kong, Indonésia, Paquistão e Bangladesh e, em 100 dias, o chinês voltou a Seoul para apanhar a encomenda. Asn segundo o qual os representantes dos americanos passarão a rejeitar, nos organismos internacionais, os pedidos de empréstimos apresentados por países que não respeitam as normas internacionais nos campos do salário, jornada, higiene e segurança e trabalho infantil.

Doravante um país como o Brasil passará a ter enormes dificuldades para obter recursos do Banco Mundial, BID, FMI e outros organismos nos quais os Estados Unidos têm forte influência. Um simples veto dos americanos será suficiente para bloquear os empréstimos solicitados.

A pressão não pára ai. À partir de 1º de Janeiro de 1995, será instalada a OMC - Organização Mundial do Comércio - na qual os países ricos voltarão a insistir na adoção de medidas contra aquilo que chamam de práticas desleais no campo trabalhista - o "dumping social".

Em outras palavras, os países mais avançados, que hoje amargam as mais altas taxas de desemprego, estão procurando se proteger de todas as maneiras. Antes a luta se resumia ao dumping comercial; em seguida, passou-se a combater o dumping ambiental; agora, é o dumping social.

No meio de tudo isso, o Brasil assim como os demais países da América Latina e da Ásia enfrentarão grandes obstáculos daqui para a frente para manter em ampliar suas exportações à Europa e aos Estados Unidos.

O que fazer? No curto prazo, as missões diplomáticas farão o possível e o impossível no sentido de impedir a consecução daqueles planos protecionistas. Mas, no longo prazo, só resta encarar com realismo, a necessidade de se aumentar os salários, encurtar as jornadas e melhorar as condições de higiene e segurança dos nossos trabalhadores. Essa é uma tendência mundial.

Uma elevação do salário, por exemplo, em nada afetará a competitividade das empresas brasileiras se ela for acompanhada por uma correspondente elevação da produtividade da mão de obra e flexibilização da legislação trabalhista.

A melhoria da qualidade da mão de obra e a desregulamentação do mercado de trabalho são mais do que necessárias. As novas tecnologias requerem trabalhadores que sejam capazes de ler e compreender instruções; raciocinar e tomar decisões; resolver problemas; trabalhar em equipe; e, sobretudo, que tenham condições de aprender continuamente. O Brasil terá de intensificar muito os atuais mecanismos de qualificação de mão de obra, começando pelo ensino de primeiro lugar e indo até à formação mais especializada realizada pelo SENAI, SENAC E SANAR - além de escolas técnicas e universidades.

No campo da flexibilização, já é hora da nossa legislação trabalhista abrir espaços para a contratação de grupos estratégicos com menos encargos sociais. Esse é o caso, por exemplo, dos jovens que podem completar a sua formação profissional dentro da própria empresa. No campo dos encargos sociais, o Brasil é um país de tudo o nada: ou se contrata com todos os encargos ou se contrata sem nenhum encargo. Temos de flexibilizar a nossa legislação e amparar as novas formas de contratação que estimulem as empresas a admitir e, ao mesmo tempo, investir na melhoria dos contratados.

O "cerco trabalhista" tende a apertar cada vez mais. Não há dúvida: o mundo do futuro vai forçar a elevação dos salários e a melhoria das condições de trabalho. Isso é justo e humano. Mas, para tudo dar certo, é fundamental que a mão de obra renda mais; entenda as tecnologias; torne-se polivalente; e vista a camisa do desenvolvimento. Isso tudo depende de muita educação e bastante flexibilização. As pedras estão no tabuleiro. Falta apenas jogar.