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Publicado em O Jornal da Tarde,04/12/1996

Reengenharia sindical

As campanhas variam. Algumas sorteiam viagens, computadores e máquinas de lavar. Outras, oferecem jalecos, camisetas e bonés. Há ainda as que se propõem a prestar serviços médicos, jurídicos e de lazer.

Refiro-me às campanhas dos sindicatos para atrair novos sócios. Eles concluíram que, sem promoção, os quadros não aumentam. Na verdade, estão diminuindo. E muito.

Uma série de fatores tem conspirado contra os sindicatos: o desemprego industrial, a terceirização, a feminização do trabalho, o crescimento do setor de serviços, o aumento das atividades autônomas, etc. Nessas condições, o desinteresse dos trabalhadores pelo sindicato é inevitável.

Não há como formar sindicatos de desempregados, "free-lancers" ou subcontratados. Os funcionários de colarinho branco do setor de serviços, que trabalham em pequenas empresas atomizadas, assim como as mulheres, que trabalham para completar o orçamento doméstico, têm pouco interesse pelas propostas sindicais. Suas aspirações de carreira dependem de um bom entrosamento com a empresa e não de confrontação. No novo mundo do trabalho a luta é pelo emprego, qualificação e promoção profissional - coisas que estão fora do alcance do sindicato convencional.

O fenômeno é mundial. A filiação sindical está despencando em quase todos os países. O mundo caminha em direção à contratação individual. Onde ainda há negociação coletiva, esta tende a ser a nível de empresa. Nos dois casos, os trabalhadores dispensam o trabalho dos sindicatos.

No Brasil, estima-se que a sindicalização chegue a 30% dos 35 milhões de empregados que trabalham no setor formal. Isso dá uns 11 milhões de sindicalizados, a maioria concentrada no serviço público, empresas estatais e oligopólios privados. é um número pequeno e que contrasta com a enorme quantidade de sindicatos, mais de 18 mil. Como explicar isso?

Pela lei, os sindicatos recebem uma parte da contribuição sindical compulsória (imposto sindical) que é um dia de trabalho por ano de todos os trabalhadores que estão no mercado formal. Ou seja, os sindicatos brasileiros têm 11 milhões de filiados e 35 milhões de contribuintes.

Além disso, muitos deles recebem a contribuição confederativa cobrada na base de um valor fixado em assembléia sindical. Por cima de tudo, os sindicatos cobram de todos os trabalhadores da categoria uma taxa assistencial pelos serviços que prestam no campo da negociação. E finalmente, recolhem a mensalidade dos filiados.

Em suma, a receita dos sindicatos vem de um universo muito maior do que o seu quadro de associados. é muito dinheiro. E, ainda assim, eles estão em crise. Muitos estão endividados até o pescoço. Outros estão demitindo funcionários para poder sobreviver. E, os mais sofisticados se preparam para as fusões de sindicatos.

Para complicar a vida financeira dos sindicatos, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a cobrança da contribuição confederativa para os não-associados e o Tribunal Superior do Trabalho proibiu a cobrança da taxa assistencial aos trabalhadores não-sindicalizados. Isso afetará, inclusive, as centrais sindicais pois elas vivem, basicamente, de contribuições dos sindicatos filiados. é bem provável que o Brasil venha a terminar esta década com um número bem menor de sindicatos.

O ocaso dos sindicatos significa o fim da pressão sobre os empregadores? Não, muito pelo contrário. Nos países em que os sindicatos encolhem, as comissões de fábrica desabrocham, os representantes de empregados ganham força e as negociações passam a se basear em dados reais da empresa. Tudo é feito às claras.

Esse é um mundo com o qual a maioria dos empregadores brasileiros não está acostumada a lidar. é um mundo de muita transparência. Os trabalhadores querem saber a quantas anda a saúde da empresa; quais são os seus planos; qual foi o seu lucro; qual é a sua produtividade; e quanto deve ser repassado para os trabalhadores.

Para enfrentar a competição externa, as empresas têm de acabar com o conflito interno, criando um clima de crescente cooperação. Mas os trabalhadores só cooperam quando participam e essa participação inclui acesso a dados até então consideradas como prerrogativas exclusivas dos empresários.

Os novos tempos prometem muitas surpresas para os empresários que hoje festejam a fragilização do sindicato convencional. é provável que eles venham a sentir saudades dos tempos em que a negociação era um mero teatro no qual nada se exibia e tudo se escondia. Quem viver verá.