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Publicado em O Jornal da Tarde,09/10/1996

Piquetes terceirizados

São ossos do ofício. Correndo o risco de ser agredido, entremeei-me na manifestação dos bancários que estavam em greve no dia 27 de Setembro. Identifiquei-me como professor de assuntos trabalhistas e comecei a conversar com um piqueteiro.

Era um tipo grandalhão. Talhado para o ofício. Portava uma bandeira enrolada em um cano de plástico. No meio de tanta confusão, temi ser confundido com algum banqueiro - logo eu... - e ali mesmo tomar uma cacetada na cabeça.

No entanto, tive uma grata surpresa. O meu interlocutor foi gentil, atencioso e informativo. Perguntei se era bancário. Disse que não. Indaguei se era químico. Repetiu que não. Metalúrgico. Também não.

Conversa vai, conversa vem, verifiquei que ele era um piqueteiro profissional. Sim, os grandes sindicatos estão terceirizando o piquete em face da dificuldade de contar com pessoal da respectiva categoria que tenha disposição e competência para levantar uma greve.

Como se sabe, a maioria dos sindicatos condena a terceirização nas empresas e é a favor da contratação com carteira assinada e pagamento dos famosos 102% sobre o salário, à título de encargos sociais. Por isso, quis saber um pouco mais sobre os termos de contratação de um piquete.

O jovem piqueteiro me disse que o preço varia muito. Na época de eleições, por exemplo, a oferta de mão de obra diminui - e o preço sobe - porque muitos piqueteiros preferem trabalhar abanando bandeiras de candidatos nas melhores esquinas da cidade - ora para o PT, ora para o PSDB e até mesmo para o PPB.

No ramo da piquetagem a regra é a mesma. Fiquei sabendo que os piqueteiros profissionais servem a qualquer agremiação de trabalhadores que necessite de piquetes seja ela filiada à CUT, Força Sindical, CGTs ou a sindicatos independentes. Eles podem ter mais simpatia por esta ou aquela corrente, mas o seu profissionalismo os coloca acima de todas elas.

O preço é fixado por dia de trabalho, entre R$ 20 e R$ 30 - e depende de muitos fatores, todos eles examinados na hora de acertar o serviço: Quantos piqueteiros serão necessários? Por quantos dias? Há previsão de trabalho noturno? Quantos carros serão envolvidos? Há necessidade de vítimas?

Pensando bem, esses condicionantes fazem bastante sentido. Um piquete grande e para muitos dias permite baixar o preço unitário. Por sua vez, paralisar uma compensação bancária durante a madrugada custa mais. Piquetes motorizados, tipo carreatas, são mais caros do que passeatas. Ferir alguém que vire notícia no telejornal exige arrojo, competência e dinheiro.

Ao que parece, está se formando um verdadeiro mercado de piquetes, a exemplo do que ocorreu com o próspero setor de segurança privada.

No meu tempo de menino, era o próprio dono da festa que se postava na porta da casa para evitar a entrada dos penetras. Mais tarde, os primos mais fortes passaram a ser escalados como "leões de chácara" para enfrentar os atrevidinhos. Hoje, são jovens profissionais que vestem aquele inconfundível jaleco preto com a palavra segurança "discretamente" bordada nas costas em amarelo gema. Nas festas mais finas, os seguranças se apresentam nas portarias das casas com um impecável terno de micro-fibra azul-marinho, paletó jaquetão de seis botões, cabelo arrumado, corpo perfumado e unhas pintadas, para ali pedir os convites, em português e inglês, se necessário. Muitos são registrados como empregados de firmas de segurança e devidamente credenciados pela polícia.

Será que a piquetagem vai seguir a trajetória da segurança? Será que o Ministério do Trabalho vai começar a requerer dos piqueteiros a carteira assinada? Os fiscais da previdência social vão multá-los por falta de recolhimento da respectiva contribuição ao INSS? Os juizes do trabalho exigirão o pagamento dos 102% de encargos sociais? Os legisladores estenderão a eles os adicionais de penosidade e periculosidade?

Se tudo isso ocorrer, restará uma pergunta: Será que, nas novas condições, haverá sindicatos e centrais sindicais interessados em terceirizar esses serviços? Penso que não. Nem mesmo os piquetes resistem à feroz rigidez da nossa legislação trabalhista.