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Publicado em O Jornal da Tarde,06/12/1995

O Trabalho Infantil

O cerco contra o trabalho infantil está apertando. O Ministério do Trabalho dos Estados Unidos acaba de publicar um relatório bombástico no qual denuncia o Brasil pelo uso de mais de 3 milhões de menores que trabalham na zona rural, ganhando menos de R$ 3,00 por dia para realizar trabalhos pesados ao longo de uma jornada de 14 horas. Se juntarmos os da zona urbana, as estimativas ultrapassam a casa dos 7 milhões de crianças que, na verdade, deveriam estar na escola e não no trabalho.

Os grandes magazines dos Estados Unidos estão deixando de comprar produtos fabricados por crianças. A Levi Strauss (calças jeans) acaba de multar 200 fornecedores por desrespeito a essa regra. As lojas Wall-Mart, Sears, Macy's, Reebok e Nike (tênis) seguem o mesmo caminho (Robert Herbert, Buying Clothes Without Exlpoiting Children, New York Times, 4-8-95).

Esse movimento se alastra pela Europa e faz parte da guerra comercial que é de escala mundial. As grandes lojas de móveis da Escandinavia, por exemplo, exigem um selo que garante a ausência de crianças na sua fabricação. Na Alemanha, vendedores de tapetes e carpetes também requerem o referido selo. O magazine C&A da Holanda, torna cada vez mais rigoroso o seu código de conduta contra o trabalho infantil.

No Brasil, esse tema ainda é controvertido. Muitos argumentam ser preferível ter os menores no trabalho do que na rua. Mas, pelos padrões da moderna civilização, lugar de criança é na escola. Nesse campo, há pouco a discutir. O Brasil tem de retirar as crianças da rua e do trabalho, colocando-as na escola.

Mas, de que forma isso foi feito nos países que hoje nos denunciam? Clark Nardinelli (Child Labor in the Industrial Revolution, 1990) pesquisou o que pôs fim ao trabalho infantil na Inglaterra do século XIX. Sua conclusão é trivial. As crianças deixaram de trabalhar na medida em que as tecnologias ficaram mais agressivas e as famílias puderam manter seus filhos na escola.

O desenvolvimento tecnológico da Revolução Industrial, de fato, inviabilizou a possibilidade das crianças lidarem com a máquina a vapor; com os equipamentos de corte; e com os transportadores pesados. Por outro lado, o crescimento econômico elevou a renda dos pais que puderam dispensar o adicional de salário infantil.

Pode-se dizer que hoje, as tecnologias são mais leves e menos perigosas. é verdade. Mas, isso está longe de justificar o trabalho infantil. Essas mesmas tecnologias estão evoluindo com extrema rapidez, exigindo mais cérebro e menos músculo; mais inspiração e menos transpiração. Daqui 10-15 anos, o uso da força será reduzido ao mínimo e o da mente será ampliado ao máximo.

Nesse campo o Brasil tem dois problemas: a fragilidade da renda familiar e a impotência da escola para reter a criança até o final do caminho. é verdade que, com o Plano Real, está ocorrendo um razoável aumento de renda das classes mais baixas. Mas, a caminhada é longa. O país ainda é incapaz de gerar bons empregos para os que precisam trabalhar.

Do lado da escola, por sua vez, a impotência é gritante. Apenas 22% das crianças chegam até a última série do primeiro grau. Perdemos até para países menos desenvolvidos do que o nosso. No Peru, México e Venezuela isso chega a 70%; na Costa Rica, 77%; em Cuba, 88%; no Uruguai, 93%.

A superação desses entraves é urgente. O atraso educacional cria problemas não só para as crianças e suas famílias mas, também, para se competir nos mercados internacionais. A força de trabalho da Coréia do Sul possui, em média, 10 anos de escola - e boa escola. A do Brasil, tem apenas 3,5 anos - e má escola. Ao se incluir o fator qualidade, esses 3,5 anos caem para 2 - ou até menos. No Japão, a força de trabalho tem 11 anos de excelente escola. Nos Estados Unidos, 12 e na Europa, acima disso.

As novas tecnologias exigem boa educação. Já foi o tempo em que bastava ser adestrado. Hoje, além de adestrado, o trabalhador precisa ser educado. é a educação que lhe dá condição de apreender continuamente. Isso é essencial em um mundo em que as tecnologias mudam a cada dia.

Por isso, tirar os menores de 14 anos da rua e do trabalho é essencial para se enfrentar a guerra comercial e a competição global que vieram para ficar. Legislar e combater o trabalho infantil é necessário, mas não suficiente. As crianças só vão parar de trabalhar no momento em que as famílias dispuserem de mais renda e as escolas de boas condições para levar os alunos até o final do curso.