Artigos 

Publicado em O Jornal da Tarde,16/08/1995

O trabalho infantil

No final da Rodada do Uruguai, em Abril de 1994, vários países do Primeiro Mundo tentaram incluir na nova Organização Mundial do Trabalho (OMC) que substituiu o GATT algumas regras sobre "dumping social". Segundo tais regras, os países ricos ficariam impedidos de importar de países que aviltam salários e desrespeitam os direitos humanos ao empregar velhos, gestantes e crianças.

Tudo isso, é claro, fazia parte da guerra comercial entre as nações. As mais ricas desejavam estancar a entrada de bens que desocupavam sua gente e aviltavam os salários locais. A tentativa não teve sucesso. O OMC rejeitou a idéia do "dumping social" mas o tema não morreu. Ao contrário, as nações mais ricas estão fazendo um verdadeiro cerco contra as nações mais pobres que infringem os direitos humanos. O Brasil está na lista e tem de se cuidar pois a pressão aumenta de forma assustadora.

A Revista The Economist de 3/6/95 apresentou uma matéria preocupante à respeito do uso do trabalho infantil. Nos Estados Unidos, os grandes magazines e os próprios consumidores estão rejeitando radicalmente a idéia de comprar produtos importados que tenham sido fabricados por crianças em outros países e em desrespeito às leis americanas. Só em 1993, a Levi Strauss (que revende as calças jeans) abandonou ou multou quase 200 de seus 600 fornecedores devido ao referido desrespeito. A rede de lojas da Wall-Mart suspendeu suas compras de camisas de Bangladesh por serem produzidas por menores. O mesmo ocorreu com as lojas Sears, Macy's, tênis Reebok, Nike e outros.

O movimento ganha corpo também na Europa. A IKEA, uma das maiores lojas de móveis, decidiu só vender produtos que pudessem ser certificados não terem sido fabricados por crianças. A C&A, um dos grande magazines da Holanda, estabeleceu um rigoroso código de conduta contra o trabalho infantil. Na Alemanha, uma empresa de tapetes e carpete lançou um "selo de garantia" assegurando não haver nenhum envolvimento de crianças na produção de seus produtos. Muitos lobistas americanos estão pressionando a Câmara de Comércio dos Estados Unidos a adotar o mesmo procedimento.

Na Inglaterra, a maior central sindical (Confederation of Free Trade Unions) vem promovendo investigações de várias empresas ao redor do globo com o propósito de identificar o uso do trabalho infantil e, em seguida, recomendar o boicote da comercialização desses produtos em toda a Europa.

A lista de produtos na mira de tais bloqueios é infindável: alimentos, bebidas, calçados, brinquedos, confecções, mobiliário, eletrônicos, etc. Portanto, com ou sem legislação anti-dumping social, as dificuldades para exportar aumentam a cada dia para os países que insistem em usar o trabalho dos menores.

Ninguém em sã consciência terá argumentos para defender o trabalho das crianças. Mas, é claro que as razões que levam os países ricos a defenderem as crianças dos países pobres são muito mais de ordem econômica do que humanitária. Trata-se de um sério problema. Em muitos países, os menores que trabalham são arrimo de família e candidatos ao abandono caso deixem de fazer o que fazem. Só no período de 1993-94, cerca de 50 mil meninas de 14 anos de idade foram jogadas na prostituição nas ruas de Bangladesh por terem sido barradas pelos direitos humanos dos que compravam camisas das fábricas em que trabalhavam.

Se as nações mais ricas realmente querem bem as nossas crianças é o caso de usarem o exemplo da empresa Levi Strauss na Ásia onde construiu escolas ao lado de suas fábricas e ali matriculou, na base "part-time" as crianças-trabalhadoras de mais de 14 anos. Está aí uma idéia que atende as necessidades das famílias, das crianças e do "humanismo" defendido pelas grandes multinacionais.