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Publicado em O Jornal da Tarde,05/07/1995

A função dos complicadores

As pessoas que me procuraram para comentar a Medida Provisória da desindexação - inclusive jornalistas - mostraram-se muito preocupadas com os complicadores criados no novo instituto tais como: (1) os longos prazos reservados ao mediador para mediar e preparar o seu relatório do que ocorreu na negociação; (2) a obstaculização do acesso rápido à Justiça do Trabalho; e (3) a necessidade de se demonstrar a existência real de produtividade a nível de empresa.

Segundo esses interlocutores, o governo deu uma de Chacrinha: em lugar de explicar, acabou confundindo. Não concordo. é verdade, o Brasil poderia ter usado um caminho mais curto caso fosse modificado o artigo 114 da Constituição Federal que dá à Justiça do Trabalho o chamado "poder normativo" que permite aos juízes dirimir conflitos de natureza jurídica e econômica. Convém mencionar que só Brasil e Sri Lanka mantém essa intromissão da justiça em conflitos econômicos. Nos demais países onde há Justiça do Trabalho, esta se incumbe apenas de resolver conflitos de natureza jurídica num franco reconhecimento da impossibilidade dos juízes entenderem das várias realidades econômicas das centenas de milhares de empresas e categorias profissionais.

Como a referida mudança constitucional é difícil no curto prazo, restou ao governo criar mecanismos que retardem a chegada das partes aos tribunais e se dediquem mais à negociação. Essa é a função dos prazos, do próprio mediador e da demonstração da produtividade.

As partes que acharem os novos prazos muito longos, que procurem acertar suas diferenças na negociação direta. Os que sentirem dificuldade para conseguir um mediador a tempo e à hora, que ajustem suas divergências por acordo. Os que não gostam da idéia do tal relatório circunstanciado, que procurem obter uma "boa nota" na negociação.

Todos esses complicadores visam estimular o processo negocial e desestimular a ida prematura aos tribunais do trabalho que têm mais de dois milhões de ações trabalhistas rolando nos diversos tribunais do país.

Qual é a função da demonstração da produtividade por empresa? Os tribunais do trabalho têm concedido percentuais padronizados à título de produtividade. O Tribunal Regional de São Paulo, por exemplo, tem uma forte preferência pelo número 7. O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, gosta dos 4%.

Nos dois casos o artificialismo é escandaloso pois a produtividade varia não por setores da economia mas, fundamentalmente, por empresa. A própria Constituição Federal é sábia ao estabelecer nos seus artigos 7º (Inciso XI) e 218 (Parágrafo 4º) que os ganhos de produtividade devem ser distribuídos aos trabalhadores por empresa - e não por setor. Uma negociação setorial, quando muito, poderia estabelecer uma "banda de variação" da produtividade, ficando para as negociações empresariais a sintonia fina na determinação do aumento real ligado àquele avanço.

Em suma, o Brasil inaugurou um sistema em que a negociação será valorizada e estimulada daqui para frente. é claro que no início haverá dificuldades. Os atuais dirigentes sindicais (de empregados e empregadores) estão acostumados a negociar de olho no tribunal pois, a qualquer momento, podem instaurar um dissídio - sem nenhum pré-requisito. Isso vai acabar. Elas terão de passar pelo "purgatório" da negociação, antes de apelar para outros métodos.

As coisas deverão entrar nos eixos dentro de um ou dois anos. Esse é o período mínimo para a aprendizagem pela qual terão de passar empregados, empregadores, dirigentes sindicais, advogados trabalhistas e magistrados. Sem contar, é claro, os mediadores que precisam ser recrutados, treinados e remunerados.