Publicado no em O Jornal da Tarde, 03/05/1995
Direitos flexíveis
A proposta do ministro do Trabalho, Paulo Paiva, relativa a flexibilização dos direitos sociais é certamente explosiva e provocará um enorme debete.
Mas já estava na hora de se abrir essa discussão. O país não podia continuar assistindo passivamente a expansão do mercado informal – que hoje atinge 55% da força de trabalho – e a aplicação dos direitos atuais a uma pequena minoria.
Tanto na entrevista que concedeu ao Jornal da Tarde no dia 24 de abril como nas suas declarações do dia 1º de maio, durante manifestação de apoio às reformas constitucionais, o ministro Paulo Paiva foi muito claro ao dizer que o contrato coletivio de trabalho – que é uma forma mais moderna de contratação do trabalho – só pode nascer e florescer no Brasil se enxugarmos os capítulos dos direitos sociais e da justiça do Trabalho na Constituição Federal.
DE UMA CONSTITUIçãO ESPERAM SE PRINCÍPIOS E REGRAS DO JOGO. O RESULTADO DO JOGO é PROBLEMA DOS JOGADORES.
O ministro propôs que vários direitos sociais deveriam sair da Carta Magna e passar para o campo da contratação.
Nada justifica uma Constituição descer a detalhe como piso salarial, jornada de trabalho, pagamento de hora extra, adicionais noturnos, como é o nosso caso.
Aos olhos de outras nações, isso chega a ser ridículo, pois de uma Constituição esperam-se princípios e regras do jogo. O resultado do jogo é problema dos jogadores.
Uma outra parte dos direitos – quer o ministro do Trabalho – passaria para a legislação ordinária e de forma flexível.
O que é isso? Flexibilizar é criar direitos que sejam negociáveis. Qual é a lógica dessa proposta? Muito simples. Ao transformar direitos "não transacionáveis" em direitos "transacionáveis" abre-se um enorme espaço para a negociação e para a contratação coletiva. Sem isso fica impossível negociar e contratar coletivamente.
O ministro não está inventando nada. A Europa passou por esse processo ao longo dos últimos dez anos e hoje vive uma situação de muita negociação e pouca legislação – o contrário do que temos no Brasil.
A Espanha, que é o país mais regulamentado do mundo na área trabalhista, já possui dez modalidades de contratação de trabalho com base em direitos flexíveis e com menos encargos sociais. Na Ásia, a flexibilização é a regra. Na América do Norte, idem. Na América Latina, o Chile, a Argentina e o Uruguai têm vários exemplos de direitos flexíveis.
Vejam o exemplo das férias. Em quase todos os países avançados pratica-se o sistema de férias progressivas. Ou seja, quanto mais tempo de casa mais férias.
O DIREITO FLEXÍVEL PERMITE ÀS EMPRESAS E AOS SEUS EMPREGADOS AJUSTAREM AS CONDIçõES DE TRABALHO A SITUAçãO DA ECONOMIA E DO MERCADO
No Chile, ao longo dos primeiros dez anos de firma, os trabalhadores têm por lei 15 dias de férias por ano – enquanto que no Brasil são 40 dias (30 em tempo e 10 em dinheiro).
Depois disso, a cada três anos os chilenos têm um dia a mais de férias. Mas, se quiserem negociar diferentemente, vale tudo.
E é isso que ocorre. Pela via de contrato, muitos chilenos têm 18, 20, 22 e até 25 dias de férias por ano. Tudo depende da negociação e do contrato firmado entre as partes.
A ESPANHA, QUE é O PAÍS MAIS REGULAMENTADO DO MUNDO NA ÁREA TRABALHISTA, JÁ POSSUI DEZ MODALIDADES DE CONTRATAçãO DE TRABALHO.
Portanto, o direito flexível permite às empresas e aos seus empregados ajustarem as condições de trabalho à situação da economia e do mercado a cada momento. Parece ser essa a intenção da reforma proposta.
Aliás, a própria Constituição de 1988 tem dois brilhantes exemplos de direito flexível. O primeiro se refere ao salário e o segundo à jornada de trabalho diária.
Nos dois casos, a Carta estabelece um padrão e, ao mesmo tempo, permite variações através da negociação. "O salário é irredutível, salvo negociação" e "a jornada para quem trabalha em turnos é de seis horas, salvo negociação".
Esse "salvo negociação" é que garante a flexibilidade dos direitos sociais. O ministro do Trabalho propõe generalizar, ao máximo, essa forma de flexibilização.
As pedras foram jogadas na mesa. A ordem, agora, é jogar com calma e serenidade. O Brasil precisa de mais luz do que calor nessa discussão. Por isso convém usar mais a razão do que a emoção.
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