Publicado no em O Jornal da Tarde, 16/02/1994
Contrato coletivo: da retórica à prática
Fala-se muito, hoje em dia, no contrato coletivo e na flexibilização do mercado de trabalho. Essa retórica está bem afinada com o que acontece nos países mais avançados. De fato, a globalização da economia, a competição crescente e a revolução tecnológica impuseram àqueles países formas mais flexíveis de contratar, descontratar e remunerar a mão-de-obra.
Há momentos em que a história corre mais depressa. Estamos vivendo um deles. Na década de 70, uma inovação industrial durava dois anos. Na década de 80, ela passou a durar apenas seis meses. Depois disso, a inovação era incorporada por vários produtores que passavam a competir no mercado oferecendo a novidade na forma de bens e serviços, com qualidade crescente e preço decrescente.
Atualmente, uma novidade dura apenas algumas semanas. No campo da eletrônica, alguns dias. E no setor de serviços, poucas horas. Um banco, por exemplo, lança um produto hoje e, amanhã cedo, os demais já têm o mesmo produto melhorado. O mesmo ocorre com as empresas aéreas, as companhias de seguros, os serviços de computação etc.
Além de rápidas, as inovações atravessam as barreiras nacionais com a maior facilidade. As novas tecnologias, especialmente da informática e da robótica, tornaram o mundo pequeno.
Junto com as novidades vão os produtos e os processos. Tudo se torna interligado, fazendo aumentar a competição entre empresas e nações. Tornar-se competitivo é crucial. Mas manter-se competitivo é mais crucial ainda – é questão de sobrevivência, tanto para os empregadores como para os empregados.
Para tanto, as empresas têm de adequar a sua força de trabalho ao ritmo das mudanças. A qualificação do trabalhador deve melhorar. Os produtos são ajustados às necessidades dos consumidores. A contratação é feita em função da demanda. A terceirização e subcontratação de atividades junto a outras empresas e pessoas é essencial para manter suas vantagens comparativas.
Em suma, tudo passa a ser feito com muita flexibilidade para que as empresas e os empregados se ajustem às mudanças constantes. Por isso, as idéias de contrato coletivo e flexibilização fazem sentido. Mas isso tem de ir além da retórica. Só assim o Brasil pode se alinhar no contexto da competição mundial.
Para tanto, é essencial criarmos as condições efetivas para o contrato coletivo de trabalho. Os sistemas de contratação coletiva baseiam-se mais na negociação e menos na legislação. Portanto, para o Brasil entrar nesse mundo, teremos de inverter o quadro atual que se caracteriza por muita legislação e pouca negociação.
Isso é fácil de dizer mas muito difícil de fazer. Nossas tradições jogam contra. Vejam o que aconteceu na constituinte em 1988. Em lugar de os parlamentares simplificarem a legislação atual, esta foi esmiuçada e os detalhes foram por eles incluídos na Constituição Federal, o que tornou os ajustes ainda mais difíceis.
A VELOCIDADE DAS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E O AUMENTO DA COMPETIÇÃO NÃO ESPERAM POR MUDANÇAS DA CONSTITUIÇÃO
É bom lembrar que a velocidade das mudanças tecnológicas e o aumento da competição não esperam por mudanças de constituição. Se a maioria dos direitos e deveres estivessem escritos no contrato coletivo – e não na Constituição e na CLT -, tudo seria mais fácil, pois bastaria às partes se assentarem junto a uma mesa e mudar o contrato de acordo com suas necessidades. Como está, essa mudança é muito complicada. Até para mexer em jornada de trabalho, férias ou esquema de licença temos de mudar a constituição!
Mas nem tudo está perdido. A revisão constitucional está ai. Ela é, provavelmente, a última chance deste milênio. Seria bom aproveitá-la para enxugar a legislação e abrir espaço para a negociação e contratação coletiva no campo trabalhista. Aí sim, atingiremos a propalada flexibilização do mercado de trabalho.
Nesse caso, teremos chance de mudar também a Justiça do Trabalho, limitando o seu poder normativo aos "conflitos de natureza jurídica". Os tribunais não mais entrariam na resolução dos conflitos de natureza econômica. Estes ficariam por conta das próprias partes. Caberia a elas definir os métodos para dirimir impasse sobre salários, produtividade, horas extras, jornadas de trabalho e vários outros temas de natureza essencialmente econômica.
Isso já é assim na esmagadora maioria das sociedades modernas. Num levantamento que acabo de fazer em cerca de 40 países, o poder da justiça para resolver conflitos econômicos remanesce apenas no Brasil e na Iugoslávia. Em todos os demais países, os conflitos econômicos são resolvidos pelas próprias partes ou por métodos que elas mesmas escolhem, como é o caso da arbitragem voluntária e os procedimentos de conciliação e mediação.
Em suma, o Brasil é a única nação organizada – sim, por que a Iugoslávia já desmantelou inteiramente – em que a Justiça do Trabalho ainda arbitra os conflitos de natureza econômica. Para flexibilizar e criar as condições para a contratação coletiva, isso precisa mudar, pois ninguém vai se entregar inteiramente à negociação se sabe que, a qualquer momento, um juiz pode entrar na disputa e arbitrar a pendência, muitas vezes passando por cima das condições específicas das empresas e dos trabalhadores envolvidos.
A revisão constitucional recebeu inúmeras emendas do que está sendo aqui proposto. Vamos ver, desta vez, o que os revisores vão fazer. Eles sabem que o futuro contrato coletivo está em suas mãos. Aliás, o futuro do Brasil depende de suas decisões. A passagem da retórica para a prática no campo trabalhista é essencial para o desenvolvimento brasileiro e só poderá ser feita com o enxugamento da lei e a limitação da justiça. é hora de se usar o bom senso.
|