Publicado no em O Jornal da Tarde,03/08/1994
A produtividade dos funcionários públicos
Encontrei-me, outro dia, com o Antoninho Marmo Trevisan. Administrador prático e competente. Grande cabeça. Ele já teve sob sua responsabilidade a supervisão de todas as empresas públicas federais.
A conversa emergiu à luz do assunto dominante nas últimas semanas em Brasília: o aumento do funcionalismo. Por vários dias, governantes e servidores fizeram contas e mais contas - os primeiros procurando minimizar o impacto da majoração salarial na despesa pública; e os funcionários, tentando eliminar a inegável defasagem acumulada. Coisas normais numa negociação em país de inflação galopante.
Mas, o que não é normal e intrigou ao Trevisan e a mim, foi o fato de nenhuma das partes ter sequer cogitado de trocar o referido aumento por uma melhoria de produtividade. Esse assunto não passou nem perto da mesa de negociação.
Ora, por definição, negociar é trocar. Não existe negócio sem troca. é através da troca que as partes maximizam seus interesses; que elas convergem; e que podem pensar em melhorar a produtividade.
Muitos acham que isso se aplica só nas empresas privadas. Argumenta-se que, no setor público inexiste a dicotomia entre capital e trabalho. Quem representa o capital? Quem representa o trabalho? Chefes e subordinados têm o mesmo interesse pois, aumentando um, aumenta-se o outro. Por isso, eles se unem para fortalecer cada vez mais as já poderosas corporações. Do outro lado, ficam os executores do orçamento, os "alfaiates", que têm de fazer o terno com uma irrisória quantidade de tecido.
No Brasil, sempre se trocou pouco nas negociações do setor público. Atualmente, porém, não se troca mais nada.
Nos países mais adiantados, com todas as dificuldades inerentes ao setor público, a troca é reconhecida como o celeiro da produtividade. Desde da década de 60, por exemplo, os Estados Unidos vêm implementando um programa que procura trocar aumentos de remuneração pela melhoria dos serviços. O programa envolve, hoje em dia, mais de 2 milhões de servidores federais, cobrindo 2/3 do funcionalismo civil.
A Monthly Labor Review publicou recentemente alguns resultados segundo os quais, nos últimos 25 anos, a produtividade do setor público aumentou, em média, 1,4% ao ano. Tudo feito na base da troca. Até mesmo nos casos de difícil aferição.
Comentei com o Trevisan uma negociação ocorrida em Madison, Wisconsin, em 1983, quando ali trabalhei e paguei impostos. [Aliás, é interessante verificar que, em inglês, o cidadão comum, perante o fisco, é pagador de impostos ("tax payer") enquanto que, em português, ele é um mero contribuinte, dando a impressão de que paga se quiser...]
A negociação foi a seguinte: os policiais de Madison - a polícia americana tem base municipal - pleiteavam 8% de aumento salarial. Como de praxe, foi convocada a comissão dos "tax payers" que ouviu atentamente o pleito. O presidente ponderou aos policiais que, para atender o pedido, o município teria de aumentar os tributos em 3% sendo que competia àquela comissão municiar os legisladores para que eles convencessem os munícipes a pagar mais impostos.
Depois daquele preambulo nada animador para os reivindicantes, os representantes dos "tax payers" e os policiais entraram num franco processo de troca. A comissão reconheceu que o crime e a violência tem várias causas e que a polícia atua em apenas algumas delas. Mas, ainda assim, ela se mostrou disposta a defender o pleito desde que os policiais viessem a se comprometer a reduzir o crime e violência em 3%, equivalente ao aumento de impostos.
A negociação foi longa. Foram contas e mais contas. Mas, além disso, as partes discutiram intensamente a questão da mensuração e do cronograma de trabalho para, no final, fecharem o acordo. A comissão acabou passando às mãos dos legisladores argumentos bastante sólidos e que foram capazes para convencer a população a desembolsar mais dinheiro. O primeiro aumento foi pago depois de seis meses, com base retroativa, quando os policiais atingiram as metas do cronograma.
O Trevisan e eu pegamos, de propósito, um dos setores mais difíceis para se isolar e medir o efeito líquido da produtividade do trabalho. E, assim fizemos, para mostrar que, mesmo aí, a melhoria é possível. Basta apenas que as partes negociem na base da troca, e não apenas na base da concessão unilateral.
E assim nos despedimos torcendo para que chegue logo o dia em que os "contribuintes" potenciais deste país virem todos "pagadores de impostos" e, como tal, venham a exigir dos governantes que os aumentos salariais venham a ser dados na base da troca.
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