Publicado no Jornal da Tarde, 10/12/2003
Nações sem povos
De uns tempos para cá, tenho me preocupado com certas moças que não querem saber de procriar. Essa decisão é íntima e, é claro, cabe a elas optar. Ocorre que uma conduta pessoal como essa, tem graves conseqüências coletivas. Ela afeta a composição e o destino da população. Mais. Levada às últimas instâncias, condena as nações a ficarem sem povo.
É uma coisa estranha, não é? Uma nação que não consegue ocupar o território com seu próprio povo. De uma certa maneira, é isso que pode acontecer no Japão e, em menor escala, em alguns países da Europa ao longo deste século, se nada for feito para convencer as moças a procriarem. Nesses países, o envelhecimento é simplesmente meteórico. No caso do Japão, as pessoas com mais de 60 anos já somam 20% da população. No ano 2.010 serão 30%. A vida média é de 81,6 anos. Dentro de 15 anos, chegará a 90 anos!
Para preencher os vazios, esses países terão de importar gente. Os jovens estão rareando. Em 1950, cada mulher japonesa tinha, em média, 3,6 bebês. Hoje, menos de um. Isso assusta os demógrafos.
O governo japonês tem feito de tudo para convencer as moças a engravidar. Elas não querem. Vejo que a moda está se espalhando. Li nos jornais da semana que a Província de Laviano, no sul de Nápoles, na Itália, está condenada a sumir do mapa por falta de povo. Em 2002, nasceram apenas quatro bebês. Em 1970, a cidade tinha 3.000 habitantes. Hoje, tem 1.600.
Os países envelhecidos têm usado vários incentivos para sensibilizar as moças. Mas pouco tem adiantado. No caso de Laviano, a Prefeitura local está oferecendo um prêmio de 10 mil euros para quem se dignar a ter um bebê. São cerca de R$ 36 mil reais por criança!
Se a situação é séria nos dias atuais, ela será dramática nos próximos 30 ou 40 anos. Os poucos jovens existentes não darão conta de sustentar os idosos. A previdência social entrará em colapso total e seus serviços serão precarizados. Com isso, menos moças se animam a ter filhos.
O quadro do Brasil é diferente. Ainda temos muitos jovens. Mas estamos na mesma rota dos países que envelheceram. A vida média dos brasileiros ultrapassou a casa dos 70 anos - mais precisamente, chegou a 71 anos. Em 1980, era de 62,5 anos. Ou seja, o envelhecimento também está chegando no Brasil.
Em 1980, a proporção de crianças de 0 a 14 anos, era de quase 40%. Hoje, não chega a 30%. Em 1980, as moças brasileiras tinham, em média, 4,4 crianças. Hoje, são menos de duas.
É verdade que isso é o dobro da situação do Japão e da Europa. Por muitas décadas podemos continuar como exportadores líquidos de brasileiros para o exterior, como é o caso dos "dekassegues" que vão para o Japão.
Mas os problemas estão chegando. A elevação da vida média para 71 anos, por exemplo, provocará um grande baque nas finanças do INSS. Sim porque teremos idosos vivendo por mais tempo e menos jovens para aguentá-los. Pelas estimativas mais recentes, os brasileiros que chegam aos 70 anos têm boa chance de viver mais 15 ou 20 anos, podendo atingir os 90 anos. A vida média só não é mais alta porque o crime e a violência ceifam milhares de jovens em tenra idade.
Vejam que ironia. O que é bom para os brasileiros (longevidade) é péssimo para o INSS. O que é péssimo para os brasileiros (violência) é bom para o INSS...
O rombo do INSS só não será catastrófico porque, recentemente, implantamos o tal "fator previdenciário" que fixa o valor da aposentadoria em função do número de anos que as pessoas vão viver. Ou seja, quanto mais duram, menos recebem. É uma espécie de castigo pela "teimosia" de viver... Vejam a que ponto chega...
O Japão e a Europa estão se transformando em nações envelhecidas e sem povo. Nós estamos nos transformando em uma nação com povo e sem dinheiro. Tudo porque os idosos consomem mais do que os jovens pagam.
Além da demografia, a informalidade no mercado de trabalho conspira fortemente contra a saúde financeira da Previdência Social no Brasil - o que não acontece nos países desenvolvidos. Mais de 50% dos brasileiros que trabalham nada recolhem para a Previdência Social.
Em suma, no Brasil os fenômenos demográficos se misturam com problemas econômicos e com uma burocracia custosa para no fim das contas condenar os que ganharam da medicina a oportunidade de viver mais. Seria bom se pudessem viver melhor. Mas isso está longe. Os idosos conquistaram uma boa quantidade de anos, mas, não uma boa qualidade de vida.
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