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Publicado em O Estado de S. Paulo, 02/11/2004.

Os investimentos e o DNA do PT

O Brasil é aplaudido pelo superavit fiscal e pagamento pontual da dívida pública, mas não consegue alavancar os investimentos. Dentre as causas, apontam-se os altos impostos, o cipoal burocrático e os juros escorchantes.

Será que nos próximos anos os investimentos chegarão aos necessários 25% do PIB? Tenho dúvidas.

Não sei se os investidores já compreenderam as implicações econômicas do projeto político do PT. As vezes penso que sim, pois eles costumam ter boa intuição. Outras vezes penso que não, especialmente, quando limitam suas análises aos indicadores macroeconômicos, deixando de lado as mudanças sociais ora em curso.

Vou direto ao ponto. O PT nunca escondeu sua simpatia pelo socialismo. Nasceu e cresceu na esteira do marxismo. Mais recentemente, abraçou as teses do arguto e inteligente comunista italiano Antonio Gramsci.

Ao contrário de Marx, Gramsci argumenta que o choque aberto entre as classes sociais é o pior caminho para se chegar ao socialismo. Os trabalhadores não estão dispostos a destruir a ordem existente porque eles mesmos estão impregnados com muitos valores dessa ordem. Para Gramsci, é preciso usar os atuais meios democráticos para se atacar e destruir tais valores para, então, se abolir a propriedade privada e implantar o socialismo. Tudo com base em convicções, e não em força.

Em artigo recente, o nosso Ministro da Educação ensina: "a tentação do choque é característica dos espíritos dotados de boa vontade, mas de pouca inclinação ao êxito" (Tarso Genro, "Choques e voluntarismo", Folha, 19/10/04).

A estratégia gramsciana recomenda um trabalho contínuo junto às massas para que estas se engajem de forma consciente na transformação da democracia representativa em democracia participativa. Para se chegar a esse estágio, impõe-se um questionamento planejado de instituições-chave da ordem atual - família, escola, sindicato, igreja, justiça, cultura e meios de comunicação. É a "revolução espontânea".

Para Gramsci, o novo socialismo se baseia na disciplina do eu interior, na apropriação das personalidades e na conquista da consciência superior - preceitos incorporados pelo PT quando seu Presidente diz:

"A esquerda democrática redefiniu sua estratégia de ação política. A partir das formulações de Antonio Gramsci, os partidos de esquerda aceitam as premissas do jogo democrático até as ultimas conseqüências. A radicalização e o aprofundamento da democracia se tornaram elementos centrais de suas estratégias. Trata-se de lutar pela hegemonia política, cultural e moral no interior das sociedades democráticas" (José Genoíno, "A esquerda e as reformas", Estado, 07/06/03).

Em suma, o método do novo socialismo é persuasivo e não coercitivo. O governo do PT vem atuando exatamente nas instituições-chave que controlam os pensamentos. Esse é o caso das intervenções autoritárias que visam controlar a Justiça, Ministério Público, imprensa (CFJ), produção cultural e artística (ANCINAV), universidades privadas (PROUNI), propriedade da terra (apoio ao MST), sindicatos (reforma sindical), agências reguladoras e outras. O partido já implantou militantes em toda a máquina do Estado, cada um com uma tarefa específica na mudança dessas instituições.

Se essas considerações entrarem na decisão dos investidores, os investimentos continuarão pífios. Mas é aqui que mora a esperança. O PT terá enorme dificuldade para ser um partido hegemônico em um país continental que exige investimentos colossais em todas as áreas. Não vai dar para nivelar por baixo como se fez na minúscula Cuba.

Mas os petistas não desistirão da estratégia traçada. Isso faz parte do seu DNA. Alguns apreenderão com os fracassos de uma utopia mundialmente ultrapassada e inviável para o Brasil. Outros terão de ser superados pelo voto popular, o que demandará um grande esforço por parte dos que acreditam na supremacia da liberdade.

Para os que assim pensam, sugiro que iniciem sua caminhada pela leitura do próprio Gramsci. Aos que dispõem de tempo e paciência recomendo os dois volumes dos Escritos Políticos, Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2004. E que façam um bom proveito.