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Publicado em O Estado de S. Paulo, 04/07/00

A obsolescência das instituições do trabalho

José Pastore

No mês passado (Junho de 2.000), quando um colega americano visitava as luxuosas instalações de uma companhia de seguros no centro de Manhattan, em New York (350 funcionários), foi informado que a empresa decidira sair daquele lugar devido aos altos custos de operação.

Ele imediatamente disse: Aposto que vocês vão para New Jersey (estado vizinho), onde todos os custos são mais baixos, inclusive impostos. Ficou surpreso ao saber que a matriz estava de mudança para Dublin, na Irlanda, e a filial de San Francisco (250 funcionários) para Bombaim, na Índia, onde tudo é muito mais barato do que New York ou New Jersey e, por cima, têm gente educada e que fala inglês.

Isso ilustra a dramática revolução por que passa o trabalho. Hoje em dia, já não se sabe onde são feitos os produtos ou realizados os serviços. É a globalização do mercado de trabalho. Em 1961, 4% das roupas vendidas nos Estados Unidos eram importadas. Hoje, são 65%.

Direta ou indiretamente, os empregos do mundo inteiro estão sendo expostos à competição internacional. Não há jeito de segurá-los neste ou naquele lugar. Eles chegam, ficam um pouco e saem, como fazem os viajantes. Os sindicatos não conseguem controlá-los, restando-lhes uma débil posição defensiva.

Isso tudo tem um tremendo impacto nas instituições trabalhistas. Nesse quadro, a negociação coletiva já não funciona. As leis nacionais muito menos. O trabalho, antigamente chamado "atípico", vai se tornando cada vez mais típico. Milhares de novas atividades e profissões não se enquadram nas leis existentes. É o caso, por exemplo, do tele-trabalhador, do "personal trainer" e do professor que ensina inglês a executivos na hora do almoço. Nenhum deles é empregado ou micro-empresário. Qualquer tentativa nesse sentido é artificial.

Embora a relação de subordinação entre empregado e empregador ainda é a mais comum, ela está em franco declínio. No novo mercado de trabalho há de tudo: trabalho casual, intermitente, em tempo parcial, subcontratado, terceirizado, realizado em grupos, em cooperativas, por conta própria, por tarefa, por projeto, etc.

O nascente mundo do trabalho contrasta com o cadente mundo do emprego. O trabalho se espalha por todo o planeta e, ao mesmo tempo, se diferencia. As leis nacionais ficaram irrealistas. As convenções internacionais mais ainda. Afinal, elas foram feitas para o mundo do emprego onde existiam, claramente, o empregado, o empregador e o Estado.

Hoje, em dois terços dos países do mundo, a maior parte das pessoas está fora da relação formal de emprego. Ironicamente, essa inescondível maioria não tem voz ou voto nas instituições nacionais e na OIT.

No Brasil, o mercado informal já atingiu 60%. Uma parte é fraude, é verdade. Mas a maior parte decorre de (novas) formas de trabalhar que não se ajustam às leis atuais. Como consequência, as pessoas são forçadas a viver sem as proteções convencionais - todas atreladas ao emprego formal. Por exemplo, só pode receber seguro-desemprego ou FGTS, ou se aposentar, quem teve emprego.

Com encolhimento do mundo do emprego e expansão do mundo do trabalho, não só o trabalhador se desprotege, mas a seguridade social se descapitaliza, abrindo gigantescas crateras nas finanças públicas, o que reduz ainda mais a capacidade do Estado proteger quem mais precisa – jovens, mulheres, idosos e camponeses.

Esse é o problema: Como proteger as novas formas de trabalhar que não têm nada a ver com o emprego? As instituições existentes tornaram-se obsoletas e não estão sendo substituídas por outras. Na sociologia, isso recebe o nome de crise institucional.

As poucas mudanças no campo do trabalho têm sido lentas, tímidas e desorientadas. Entre nós, onde a informalidade não pára de crescer, enquanto as reformas são feitas na base do stop-and-go. Avançam quando a crise se agrava, e são esquecidas quando a economia se reaquece.

Neste ano, em que o Brasil voltou a crescer, paira no ar a sensação de que o problema trabalhista foi superado. Pura ilusão. Os dados são alarmantes. Nos últimos 12 meses foram criados 822 mil empregos, mas apenas 62 mil com carteira assinada.

A bomba-relógio continua armada. E, daqui para frente, o trabalho será cada vez mais exercido nas novas modalidades - sujeito à internacionalização, escapando das regras convencionais e causando graves danos aos trabalhadores e à seguridade social.

Se o problema continua instalado, o debate não pode parar. Alguma solução tem de ser encontrada. Seria bom aproveitar a calmaria atual e a entre-safra eleitoral do ano 2.001 para se desenhar e implantar as instituições que darão sustento à proteção que trabalhadores e Estado tanto precisam no campo do trabalho. A inércia de hoje, será cobrada como inépcia amanhã.