Publicado em O Estado de S. Paulo, 22/10/2002.
"Chega de realidade, queremos sonhos..."
O relacionamento entre sindicato e partido é bastante complexo. Os sindicatos advogam proteções sociais por via da legislação. Para chegar a isso, muitos deles aliam-se a partidos que buscam o poder.
Na fase da campanha, sindicato e partido tocam em uníssono. Conquistado o poder, o relacionamento se modifica. O governo pede moderação. O sindicato exige o prometido.
Na Inglaterra, Tony Blair elegeu-se, atrelando o Partido Trabalhista à TUC (Confederação Britânica dos Sindicatos), ambos lutando contra as medidas anti-sindicais de Margareth Thatcher. Uma vez eleito, o Primeiro Ministro manteve todas as medidas e pediu moderação aos sindicalistas.
Na Alemanha, a DGB (Confederação Alemã dos Sindicatos) foi fundada junto com o partido social democrata. Uma vez no poder, os sindicatos afastaram-se do partido, devido a divergências insuperáveis no campo das proteções sociais (Tito Boeri e outros, The role of unions in the 21st century, Oxford: Oxford University Press, 2001).
Para compensar o apoio sindical, muitos governos abrem para os sindicalistas espaços importantes nos órgãos públicos. Na Alemanha, Itália e Holanda, eles fazem parte dos conselhos tripartites que cuidam do seguro desemprego e da intermediação do emprego. Na Dinamarca e Suécia, integram os conselhos que gerem a política de emprego. Na França, estão presentes em várias instituições governamentais ligadas ao trabalho, previdência e formação profissional.
Como regra geral, os sindicatos e seus representantes recebem ajudas financeiras dos órgãos dos quais participam. Isso lembra o velho corporativismo do Getúlio que, para conseguir a paz social, encaixou os sindicalistas nos Ministérios e na Justiça do Trabalho.
No Brasil, o PT sempre utilizou a CUT para denunciar políticas governamentais e atacar empresários. A estratégia escolhida foi a da confrontação. Sistematicamente, a CUT procurou gerar impasses para ganhar visibilidade pública. No Congresso Nacional, o PT se opunha às mudanças trabalhista, previdenciária e outras, visando repercussão política.
A CUT, originalmente metalúrgica, ampliou suas bases em direção aos funcionários públicos, empresas estatais, universidades, escolas, hospitais e outros. O PT passou a atuar nas comunidades eclesiais de base, associações de bairro, de reforma agrária e nos movimentos de minorias.
A sedução foi a marca da CUT, ao prometer segurança pela via da legislação, usando o PT para fazer uma oposição sistemática no Congresso Nacional. Hoje, grande parte das promessas foi incluída no programa do Lula que "assegura" aos brasileiros, 10 milhões de empregos, o dobro do salário mínimo, jornada de trabalho reduzida, reforma agrária ampla e proteções trabalhistas e previdenciárias para todos.
Que tipo de cenário se pode vislumbrar para 2003, na eventualidade da eleição de Lula?
Penso que Lula seria austero na área financeira, mantendo o câmbio flutuante e o superávit primário, administrando cautelosamente os juros, honrando contratos, e respeitando o FMI. Não há espaço para aventuras nessa área.
As compensações viriam na área trabalhista. No lado simbólico, o governo encaminharia ao Congresso Nacional uma série de projetos de lei e emendas constitucionais para: (1) reduzir a jornada de trabalho, sem reduzir salários; (2) dificultar a dispensa de empregados; (3) cercear o "desemprego tecnológico" e outros igualmente protetores.
No lado prático, o governo procuraria usar os instrumentos de ação rápida (portarias, decretos e medidas provisórias) para criar centenas de comissões tripartites e paritárias nas quais seriam encaixados os sindicalistas da CUT, com a missão de dar notícias e, sobretudo, pedir paciência e acalmar as bases.
Tudo passaria por longas e infindáveis discussões para que as pessoas se sentissem participantes da solução dos problemas. Seria uma multiplicação maciça de células político-sindicais - uma nova "nomenklatura" - implantadas na administração pública para agir junto às empresas, as pessoas e à sociedade em geral.
O PT e a CUT que tanto combateram o "neo-liberalismo econômico", teriam criado, nessa hora, o "neo-corporativismo sindical", pouco diferindo do corporativismo do Mussolini, que ceifou a liberdade da Itália e do sindicalismo de Perón que arruinou a Argentina.
Será esse o sonho desejado pelos brasileiros que se cansaram da dureza da realidade...? Quem viver, verá.
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