Publicado no Jornal da Tarde, 13/11/2002.
Os ingredientes do pacto social
O Presidente eleito Luiz Ignácio Lula da Silva tem repetido à exaustão que, no governo, não pode errar. Consultando meus arquivos, vejo que ele traz essa idéias desde os tempos de líder sindical.
No início de 1985, quando o presidente eleito Tancredo Neves pedia uma trégua de greves para a CUT e o PT para que o país pudesse costurar um pacto social, Lula assim respondeu a Tancredo: "Presidente da República não é trabalhador de fábrica que entra em contrato de experiência por 90 dias. Ele tem um mandato que tem de ser exercido desde o primeiro dia. Se usar bem, vamos elogiá-lo. Se usar mal, vamos criticá-lo" ("O PT muda junto com o novo governo", in Folha de S. Paulo, 17/02/1985).
Lula desconfiava do novo Presidente e, por isso, rejeitou continuamente os repetidos convites para um pacto social, dizendo: "Tancredo pretende, na realidade, calar a boca do trabalhador ("Tancredo cala operário", Correio Braziliense, 05/01/1985). Não deixaremos de fazer greve só porque ele entrou no governo ("Um pacto difícil", in Afinal, 12/02/1985).
A despeito dessa resistência, o Presidente José Sarney e seu Ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto Pinto, constituíram uma comissão para fazer o pacto social.
Pazzianotto tomou uma série de providências para agradar os sindicalistas: (1) anistiou vários dirigentes sindicais afastados; (2) liberalizou as eleições sindicais; (3) promoveu a revogação do decreto que permitia o trabalho aos domingos; (4) enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que transformava os TRTs em última instância em matéria salarial e outras (José Pastore, Pacto Social: de Delfim a Tancredo, Revista Indústria e Produtividade, 1985).
No caso da CUT e do PT, nada disso adiantou. A central e o partido responderam aos "afagos" do Ministro com uma onda generalizada de greves no triângulo Brasília-Rio-São Paulo. E jamais sentaram na mesa do pacto social, que não saiu.
A história tem seus caprichos. Lula, como novo presidente, continua dizendo que não pode errar, mas, por força dos constrangimentos econômicos, está sendo obrigado a pedir paciência e moderação aos trabalhadores de salário mínimo, aposentados, pensionistas, funcionários públicos, sindicalistas, prefeitos, governadores e brasileiros em geral. Ele precisa de uma trégua.
O que esperar das conversas iniciadas na semana passada? Penso ser impossível que elas desemboquem num pacto social no sentido convencional da palavra. Os pactos são novos contratos sociais. Eles surgem em momentos de grave crise, quando cada parte tem a certeza de que, sozinha, não conseguirá deter o que tem. O empresário sente que perderá a empresa; o empregado, que perderá o emprego; e o governo, que perderá a governabilidade. Trata-se de um crise na qual as instituições básicas da democracia se mostram impotentes: a Justiça, o Legislativo e o Executivo.
Assim foi na Espanha. Depois da morte de Franco (1975), havia o risco de uma sinistra desordem social. A economia estava parada. As instituições democráticas destroçadas. Temia-se o retorno ao regime de arbítrio. A sensação de perda era generalizada.
Os Pactos de Moncloa foram firmados em 1977 por representantes dos trabalhadores, empresários, governo e partidos políticos, como preparação de uma Assembléia Constituinte que aprovou a nova Constituição em 1978. Entre 1978 e 1984 foram aprovados vários acordos complementares de natureza operacional.
No Brasil atual, felizmente, o clima de pavor não existe. A Constituição foi feita em 1988 e vem sendo respeitada. As instituições básicas estão funcionando. As eleições se deram em paz. A transição está sendo civilizada. Os sinais vitais da economia continuam satisfatórios. A agricultura cresce a 8% ao ano; as exportações explodiram; a balança comercial terá um superávit recorde; a venda de automóveis aumentou 17% no mês passado; Lula e seus assessores estão conseguindo acalmar o mercado e baixar o dólar, prometendo manter a austeridade nas contas públicas.
Há desemprego, violência e corrupção - é verdade. Mas nada que coloque a nação em clima de pavor. Ao contrário, os brasileiros estão esperançosos. A maioria espera dias melhores com o governo recém eleito.
Inexistem, portanto, os elementos básicos para um pacto social. Isso não impede que os governantes co nversem e recolham dos governados idéias e sugestões para a solução dos problemas. Mas esse exercício não tem nada a ver com pacto social. Ademais, as grandes decisões terão que ser tomadas pelas instituições democráticas: legislativo, executivo e judiciário. O pacto ficará para outra oportunidade que, oxalá não aconteça tão cedo...
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