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Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/06/2007.

Como moralizar a nação?

No meio da avalanche dos escândalos no setor público, o que não falta é diagnóstico. Mas, e a solução? O que fazer para entregarmos aos nossos filhos e netos uma nação mais sadia?

Para controlar a corrupção penso ser imprescindível inundar a sociedade com bons exemplos. Como fazer isso?

Como o diabétes, a corrupção não tem cura, mas precisa ser combatida diariamente. Para tanto, há que se dispor de agencias aparelhadas e dedicadas à prevenção, ao combate e à educação contra a corrupção.

Vários países as possuem e com bons resultados. Na União Européia estão os casos da Bélgica, França, Alemanha, Inglaterra, Espanha, Noruega, Portugal, Bulgária, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Romênia, Montenegro, Eslovênia, Croácia e Macedônia (Octupus Programme, Anti-corruption services, Paris: Council of Europe Publishing, 2004). Nos Estados Unidos, há uma rede de agencias que trabalham de forma integrada e rápida (Edward L. Glaser e Claudia Goldin, Corruption and Reform, Chicago: The University of Chicago Press, 2006). Na Ásia, vários países já dispõem desses órgãos (Malik K, Awan, Anti-Corruption Strategies in Pakistan, Lahora: Bookbiz, 2004). A ONU, a OCDE e o Banco Mundial recomendam essas agencias enfaticamente.

Como funcionam? As agencias anti-corrupção são criadas por lei. Possuem orçamento independente. São geridas por advogados, policiais, auditores, engenheiros, etc. – todos selecionados na base do mérito. Trabalham sem nenhuma pressão, embora sejam continuamente vigiados por mecanismos internos.

As agencias investigam a corrupção usando meios próprios ou de organismos da polícia, do Ministério Público e da Justiça. Aliás, a lei garante à Justiça os instrumentos para julgar de forma expedita e direta os casos concluídos pelas agencias. As decisões dos juizes são divulgadas pelas agencias por meio de anúncios nos órgãos da imprensa e dos conselhos profissionais onde uma notícia de condenação fere fundo a reputação da pessoa. Importante: as agencias promovem campanhas educativas o tempo todo, difundindo valores éticos.

A independência não significa ausência de avaliação. As agencias apresentam relatórios detalhados de seus resultados aos Poderes constituídos. Suas contas são auditadas continuamente. Seus funcionários obedecem a códigos rígidos. Os desvios de conduta são corrigidos e punidos por ritos sumários.

As agencias acompanham a evolução do estilo de vida dos servidores mais sujeitos à corrupção, assim como de familiares e pessoas de seu relacionamento, em geral, com a ajuda dos órgãos coletores de tributos. O trabalho é confidencial. Mas os resultados são amplamente divulgados para constranger os infratores e inibir novos delitos.

Os funcionários do governo desses países estão cientes desse acompanhamento. Isso faz parte de seu contrato de trabalho. O compromisso de boa conduta é reiterado periodicamente para que nada caia no esquecimento.

Um dos principais elementos de prevenção da corrupção é a publicidade rápida da condenação. Èmile Durkheim, que estudou profundamente o estado de anomia, já dizia que mais importante do que o rigor da pena é a ampla divulgação. A divulgação repetida de condenações aumenta o custo do delito. Gradualmente, vai-se minando a idéia de que a contravenção compensa. Ao mesmo tempo, vai-se emitindo bons sinais aos jovens e à sociedade.

Está aí o começo de um longo processo de moralização. O Brasil precisa urgentemente dessas agencias. O Ministério Público, a Polícia Federal e a Receita Federal têm agido com competencia. Mas, a punição é demorada, desconhecida e nem sempre ocorre.

A Corregedoria Geral da União é igualmente importante. Aliás, nos dias 13-15 de junho de 2007, a Entidade apresentou um belo documento em evento realizado em Brasília sobre o combate à corrupção (Projeto EuroBrasil 2000, Brasília: Seminário Brasil-Europa de Prevenção da Corrupção, 2007).

Mas, para funcionar com força total, uma agencia anti-corrupção precisa contar com plena liberdade, o que não acontece com os orgaos cujos recursos e nomeações vêm do Poder Executivo e tampouco quando os procedimentos judiciais dão lugar a chicanas. O Brasil precisa de uma agencia livre, forte, rápida, competente e confiável. Penso ser de utilidade abrir um debate sobre esse tema.