Publicado no Jornal da Tarde, 12/05/2004.
Sadismo burocrático
Encontrar o Osmani é sempre um motivo de alegria. Além de bom amigo, pessoa cordial e competente profissional na área de recursos humanos, ele é um mineiro arguto e esperto – esta é uma das minhas preferidas redundâncias.
Encontrei-o em um Seminário sobre desemprego organizado pelo Senador Paulo Paim (PT/RS) – esse que está em vias de ser expulso do Partido dos Trabalhadores porque deseja aprovar um salário mínimo melhor para os trabalhadores...
Deixemos a política de lado. Voltemos ao meu amigo Osmani Teixeira de Abreu que estava inconformado com a situação calamitosa deste país no campo do trabalho. Em Belo Horizonte, relatou, para 42 vagas abertas pela Câmara Municipal, candidataram-se 25.785 pessoas. Em um concurso público para gari no Rio de Janeiro, inscreveram-se 80 mil brasileiros, alguns com diploma de nível superior. Triste.
Argumentei que emprego depende de crescimento, educação de qualidade e boa legislação e que, no momento, não temos nenhum dos três ingredientes. Como sempre faço, lembrei-lhe que nossa legislação penaliza o trabalho ao gravar a contratação com quase 20 exigências inegociáveis.
Com uma sonora e fraterna gargalhada, o Osmani me interrompeu para dizer: "Zé Pastore, você é muito conservador nas suas análises. O quadro é muito pior. A burocratite cresce a cada dia. Você tem de rever os seus cálculos para incluir várias outras despesas legais que não podem ficar de fora para se avaliar os entraves à contratação formal".
Ele, cuja capacidade de falar só é superada por sua invenjável competência para memorizar o que interessa, foi dizendo coisas que, sinceramente, tenho negligenciado.
Uma delas – até pitoresca - é o fato da nossa CLT considerar a hora noturna como tendo apenas 52,5 minutos. Parecerá estranho ao leitor, mas é assim mesmo. Você quer saber como trabalhar menos de 60 minutos em uma hora? Eu não sei. Nem o Osmani. Mas a CLT diz que entre 22 e 5 horas, o relógio tem de marcar 52,5 minutos por hora.
É possível conviver com tamanho absurdo? E muitos querem tornar a lei atual ainda mais rígida e minuciosa como é o caso da proposta de redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, com o mesmo salário, sob a alegação que isso vai gerar mais empregos. Lei desse tipo nunca funcionou na face da Terra. Aqui entre nós: se fosse possível criar empregos por lei, qual o governo que não o faria?
Mas, infelizmente, isso não resolve. Veja o exemplo do Brasil. Com a chegada da Carta Magna de 1988, a jornada semanal caiu de 48 para 44 horas. Resultado: o desemprego aumentou e a informalidade explodiu!
Na mesma Carta procurou-se – com boas intenções – aumentar o leque de proteções dos trabalhadores, criando-se, por exemplo, a licença paternidade de cinco dias, a remuneração de 30 dias de férias com um abono de um terço em dinheiro e um mínimo de 30 dias para o aviso prévio. Resultado: mais informalidade.
Além disso, as leis ordinárias adicionaram várias outras exigências: as empresas que antigamente recolhiam 20% para o INSS até dez salários mínimos, passaram a recolher esse percentual para todos os salários, inclusive sobre os pagamentos efetuados aos autônomos e aos diretores. Do lado dos trabalhadores, o recolhimento para o INSS subiu de 8% para percentuais que começam em 9% e chegam até 11% do salário. Resultado: o percentual de trabalhadores protegidos pela Previdência Social caiu de 70% para 40%. E viva a informalidade!
O seguro de acidentes, que, para a empresa, chega até 3% sobre o salário, é obrigatório para todos os que nela trabalham, inclusive os funcionários da administração que contam com a mais absoluta proteção.
Para as empresas que voluntariamente instituíram planos de saúde para seus empregados, houve uma penalidade: elas foram obrigadas a pagar a chamada "taxa de saúde suplementar" para manter a Agencia Nacional de Saúde Suplementar do governo (ANS).
O Osmani tem razão. Este país está cercado pelo mais destrutivo sadismo burocrático. E isso vale para todas as empresas – mega, grande, média, pequena, micro-empresa. Como pode um pobre barbeiro dominar todas as exigências da burocracia, e ainda pagar 103,46% de despesas sobre o salário, para contratar um novo oficial para o seu salão?
É. Em matéria trabalhista nós demos as costas à genialidade de Rui Barbosa que dizia: "igualdade é tratar desigualmente os desiguais".
Ainda bem que, depois do seminário, nossa conversa enveredou para outras searas o que me deu o costumeiro prazer de desfrutar da permanente alegria do amigo Osmani. Ah! Quer saber? Foi bom encontrá-lo.
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