Publicado em O Estado de S. Paulo, 18/05/2004.
As instituições contam
Ao se instalar o tumulto financeiro da semana passada no qual o dólar e o risco Brasil dispararam e a bolsa de valores despencou, a maioria dos analistas atribuiu o fato às incertezas da área externa. Não discuto a sua importância. Mas defendo a idéia de que a sua virulência depende do estado em que se encontra o paciente.
Muito se comentou sobre a coincidência das atribulações do mercado financeiro com as derrotas sofridas pelo governo no Congresso Nacional nos casos dos bingos e do salário mínimo. Do lado econômico, justificou-se a ausência de investimentos produtivos devido à baixa capacidade de compra do povo brasileiro, destruída pelo desemprego, informalidade, queda do salário real, aumento dos tributos e elevação dos preços públicos.
Não disputo a relevância desses sinais. Indago, porém, se tudo isso é suficiente para explicar o desânimo dos investidores produtivos que, no fundo, são os que garantem o emprego, a renda e o consumo internos.
Penso que esse desânimo decorre da forte desconfiança que ainda paira em relação à fragilidade de nossas instituições sociais e falta de seriedade na implementação de seus preceitos.
A função básica das instituições sociais é reduzir as incertezas. Quando implementadas adequadamente, elas fornecem uma orientação segura para as pessoas, definindo os limites de ação de cada ser humano e estabelecendo a gama de oportunidades para todos eles.
Para se ter previsibilidade, não basta ter leis. É preciso ter leis de boa qualidade que sejam efetivamente respeitadas. Nesse jogo, o Poder Executivo tem de reforçar o que as leis permitem e acionar a justiça para punir com rigor os que se afastam dos preceitos legais.
É nesta área que penso residir o problema do desânimo dos dias atuais. O Poder Executivo tem emitido inúmeros sinais duvidando da justeza das leis ao dizer, aqui e ali, que em certas circunstâncias se torna legítima a invasão de terras produtivas ou que se justifica a matança perpetrada pelos índios porque alguém invadiu o seu território ou que o contrato assinado nesta ou naquela privatização não vale o que diz.
Isso é um convite para os contraventores. No caso brasileiro, o governo foi mais longe, ao exibir um escandaloso comportamento leniente perante os contraventores como vem ocorrendo nos casos das invasões de propriedades rurais e urbanas, das matanças indígenas e das greves ilegais praticadas por funcionários públicos que submetem cidadãos de todas as idades, inclusive os idosos, à mais desumana humilhação.
A persistência de leis de má qualidade e não cumpridas – assistida (e aplaudida) pela complacência do Poder Executivo – constituem, sem dúvida, um poderoso determinante na conduta dos que, em lugar de investir no setor produtivo, refugiam-se na lucratividade da especulação que permite a defesa de seu capital de forma rápida no caso de alastramento da crise.
Em suma, instituições ineficientes e governo inepto solapam as decisões de investir. Vejam o caso da lei que protege o direito de propriedade. Ao torná-la relativa, como ocorre no Brasil de hoje, o governo induz os produtores a não investir ou a se prepararem para defender seus ativos dia-a-dia, com apelos judiciais à reintegração de posse que tiram por completo o necessário senso de previsibilidade para produzir daqui a três ou quatro anos. Sabe lá o que vai acontecer com minha fábrica, quando ela for inaugurada? É o que perguntam os que têm vocação para produzir.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua campanha, anunciou claramente que faria um governo de esquerda com forte intervenção do Estado. Sua equipe foi formada na crença de que o Estado pode resolver todos os males. Nesse sentido, o governo atual não enganou ninguém. Até aí tudo bem, cada um tem o direito de acreditar no que quiser. Mas o que os governantes atuais não anunciaram na campanha eleitoral é que buscariam os seus intentos desrespeitando as instituições vigentes.
Governos socialistas, de esquerda e de centro, existem em várias partes do mundo civilizado. Mas todos respeitaram as leis. Quando as leis se mostram inadequadas, acionam os mecanismos democráticos para mudá-las. O que não se admite é um Poder Executivo que fecha os olhos e até estimula o desrespeito às leis atuais para concretizar seus objetivos futuros. Quando isso ocorre, a previsibilidade vai para o espaço, deixando no mercado apenas os especuladores e alguns poucos que contam com alguma certeza do mercado internacional. No caso brasileiro, a combinação das incertezas externas com as inseguranças internas dão, como resultante, a falta de investimentos produtivos e emprego de boa qualidade para quem precisa trabalhar.
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