Publicado em O Estado de S. Paulo, 05/04/2005.
João Paulo II e os sindicatos
Desde jovem atuou pessoalmente contra os regimes autoritários. Tinha suas razões. Como todos os poloneses, Karol Wojtyla sofreu profundamente as arbitrariedades do nazismo e do comunismo.
A luta contra a opressão marcou todo o pontificado do Papa João Paulo II. Foi uma vida voltada para a paz e busca contínua da concordia entre os homens.
João Paulo II deu especial atenção ao mundo do trabalho. A Encíclica "Laborem Exercens", de 14 de setembro de 1981, condensa o seu pensamento. Para ele, o trabalho é um dever do homem. "O homem deve trabalhar por consideração ao próximo e especialmente por consideração à sua família e à sociedade de que faz parte". Mas o trabalho, acrescenta, "é também a fonte dos direitos dos trabalhadores que se materializam nas leis e nos contratos coletivos".
Sobre a relação entre os doadores de trabalho e os realizadores de trabalho, o Papa recomenda o seguinte. "O trabalho tem como característica unir os homens entre si para construir uma comunidade. Nesta comunidade devem unir-se tanto os homens que trabalham como aqueles que dispõem dos meios de produção. Trabalho e capital são dois componentes indispensáveis do processo de produção em qualquer sistema social. Não se trata de uma luta contra os outros, com o fim de eliminar os antagonistas".
E sobre os sindicatos, o que ele nos recomenda? No capítulo 20 da referida Encíclica lê-se o seguinte:
"Os sindicatos são um elemento indispensável nas modernas sociedades industrializadas. Mas eles não devem ser o reflexo da estrutura de classe, nem tampouco o expoente de uma luta de classe que fatalmente governe a vida social. Eles devem ser o expoente da luta pela justiça social, pelos justos direitos dos homens de trabalho".
E, neste ponto, João Paulo II fez recomendações específicas, tendo explorado com detalhe o relacionamento dos sindicatos com o mundo da política.
"O papel dos sindicatos não é o de fazer política. Eles não têm caráter de partidos políticos e nem deveriam nunca estar submetidos às decisões desses partidos, nem manter com eles ligações estreitas pois, do contrário, tornam-se instrumentos de luta para outros fins que não os de garantirem os direitos dos trabalhadores".
A antevisão de João Paulo II tem sido comprovada pela história. Toda vez que os sindicatos se misturam com política, os trabalhadores perdem.
Sim porque, durante a campanha política, os partidos instigam os sindicatos a denunciar as desigualdades e apoiar teses arrojadas. Chegando ao poder, esses mesmos partidos demandam dos sindicatos uma conduta moderada, cooptando seus líderes na estrutura de poder, atraindo-os para cargos públicos sedutores e, consequentemente, distanciando-os dos problemas dos trabalhadores.
Assim aconteceu recentemente em vários países. É a distorção da verdadeira função dos sindicatos. Como diz o Papa, "as exigências sindicais não podem transformar-se numa espécie de egoísmo de grupo ou de classe".
A "Laborem Exercens" vai completar 25 anos, mas a sua atualidade nos servirá por muito tempo para recomendar o bom senso aos que se propõem, com honestidade, a defender os direitos dos trabalhadores e tudo fazer para elevar a sua qualidade de vida.
João de Deus se foi mas o seu ensinamento ficou. Mais do que isso, o seu exemplo de humildade impregnou o mundo inteiro. Foi uma vida desprendida de interesses pessoais e inteiramente dedicada a construir o bem comum e com um forte testemunho de que os homens têm de servir aos homens - especialmente os que sofrem - e não a si mesmo.
Adeus, João. Siga em paz. Continue rezando por nós e ajude o Senhor a nos livrar da arrogância, do autoritarismo e da arbitrariedade dos poderosos, iluminando o nosso povo para distinguir com clareza a verdadeira ação humanitária da falsa propaganda de justiça social.
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