Publicado no Jornal da Tarde, 07/12/2005.
Povo conta
A França chocou o mundo com a insurreição dos imigrantes. A lei foi reforçada, com o toque de recolher às 20 horas e deportação dos reincidentes. Por que tais insurreições não ocorreram nos Estados Unidos, onde também há muitos imigrantes?
A Europa sofre de "euroesclerosis" que se caracteriza pelo reduzido crescimento econômico, estagnação do emprego, baixa natalidade e envelhecimento acelerado da sua população. Focalizemos estes dois últimos aspectos.
Para compensar as perdas populacionais, a Europa teve de contar com imigrantes. Isso também ocorreu na América, mas as consequencias foram diferentes. Na Europa, a imigração contribuiu apenas para manter a população estável; nos Estados Unidos ela ajudou a aumentá-la.
A taxa de natalidade das mulheres americanas, em 2000, elevou-se para 2 filhos, enquanto que a dos europeus caiu para 1,2 filho, o que não repõe os que falecem. No futuro, os americanos serão mais jovens e mais numerosos do que os europeus.
Desconsiderando-se eventuais guerras, desastres climáticos, epidemias e pandemias, a média de idade nos Estados Unidos em 2050 será de apenas 36 anos; na Europa, 53. Naquele ano, a população americana terá de uns 450 milhões de habitantes, enquanto a européia será de 360 milhões, menos do que os 400 milhões atuais.
Qual é o significado disso para o desenvolvimento? Há forças negativas e positivas. Uma população jovem requer muito investimento em infra-estrutura, habitação e educação. Tem um custo alto. Mas um povo velho também cria pesadas despesas em saúde, aposentadorias, pensões e assistência social.
A diferença está no fato de que um povo jovem gera receita dos que trabalham enquanto que um povo velho gera custos para manter os que pararam de trabalhar. Em 2050, a proporção dos americanos com mais de 65 anos na força de trabalho será de 40%, enquanto que a dos europeus será de 60%. O déficit da Previdência Social será de 100% do PIB nos Estados Unidos, 150% na União Européia e mais de 250% na Alemanha e na França.
Isso significa que, para criar uma força de trabalho jovem e pagadora de contribuições sociais, a Europa precisará de muitos imigrantes jovens. Esse é o dilema. Os europeus sempre foram relutantes para aceitar estrangeiros (na Europa, há 8% de imigrantes; nos Estados Unidos, 12%). O terrorismo aumentou a suspeita em relação aos estranhos. E os conflitos recentes pioraram a situação.
O clima de tensão social na Europa decorre também de suas instituições de proteção social. Os programas generosos de seguro desemprego, previdência social e assistência social são cobiçados por todos, inclusive, pelos imigrantes que, na maioria dos casos, são excluídos. As politicas espartanas nas áreas do trabalho e previdência social dos Estados Unidos são abertas a grandes parcelas da população, inclusive aos imigrantes. Isso responde, em grande parte, pela diferença de protestos entre a Europa e os Estados Unidos. Em outras palavras, a dinâmica demográfica e a natureza das instituições têm grandes implicações para o desenvolvimento dos países e o clima de paz social.
Mas a Europa não está sozinha. O desequilíbrio demográfico ali encontrado estará presente também em outras nações. A continuar com a política de um só filho por casal, a China também envelhecerá rapidamente. Em 2050, os chineses com mais de 60 anos serão mais numerosos do que os americanos.
O Japão já envelheceu e procura contrabalançar suas deficiências populacionais, com os imigrantes temporários - os dekasseguis. Mesmo assim, em 2050, o país terá apenas 100 milhões de habitantes, 28 milhões a menos do que tem hoje.
Até o Brasil tem de se preocupar com o logo prazo. Segundo os dados do IBGE, o brasileiro que nasce hoje terá uma vida de 71 anos (na média), o que significa, igualmente, problemas previdenciários pela frente.
Em suma, as transformações demográficas impõem mudanças profundas nas instituições do trabalho e da previdência social. Isso deve começar já, sendo que, na Europa, está atrasado. Afinal, nenhuma nação sobrevive sem renda, e muito menos, sem povo.
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