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Publicado no Jornal da Tarde, 07/09/2005.

Descrença na democracia

Os brasileiros têm demonstrado uma discrepância entre o gosto pela democracia e a satisfação com esse regime. No primeiro caso, está a vontade de viver em liberdade. No segundo, está a expectativa de ter os problemas resolvidos.

A vontade por democracia tem sido superior à satisfação com a democracia. Isso em tempos normais. O que dizer, no meio de tanta corrupção e impunidade?

As pesquisas sobre a avaliação da democracia têm gerado muita controvérsia metodológica. Mas, de modo geral, acabam apresentando resultados semelhantes. Segundo o Instituto Latinobarômetro, que estuda o fenômeno em 18 países da América Latina, em 2004, 41% dos brasileiros preferiam a democracia a qualquer outra forma de governo. Esse percentual, em si, já era baixo. Era de se esperar uma preferência pela democracia de 60% ou mais.

Quando se examina a satisfação com a democracia, porém, os dados de 2004 pioram muito: eles dizem que 55% dos brasileiros não se importam em trocar um governo democrático por um não democrático desde que este resolva os problemas que mais os aflige. Entre os latino-americanos, os brasileiros são os mais preocupados com tais problemas: 66% acham que desemprego pode atingi-los a qualquer momento.

Portanto, uma coisa é apoiar a democracia. Outra é querer ficar na democracia. Ilusório, é pretender que o povo goste da democracia quando vê os seus eleitos roubarem a rodo e fazerem fortunas com o suor de quem trabalha duramente.

Por isso, a ameaça de pizza nas CPIs, deve agravar ainda mais a insatisfação do povo com a nossa tênue democracia. Mesmo antes do vendaval de escândalos, os brasileiros já estavam entre os menos satisfeitos com a democracia entre os 18 países pesquisados – perdendo só para os paraguaios. O que sairá nas próximas pesquisas?

O mundo mudou muito. Não basta ser populista para garantir apoio popular. Ao contrário, para elevar a satisfação com a democracia, os governantes precisam apresentar resultados. O povo brasileiro tende a apreciar a origem humilde do Presidente Lula, mas não aceita a falta de resultados concretos nas áreas do emprego, saúde, educação, previdência e segurança.

Quanto ao Congresso Nacional, a desilusão é maior mesmo porque o nosso parlamento é visto como um organismo acéfalo. Ninguém sabe quem é o responsável por aquela instituição. Quando o Presidente da República falha, sabe-se de quem cobrar. Mas quando o Congresso Nacional se entrega a camuflagens processuais que o povo não entende, logo vem a pergunta: Quem é o chefe disso tudo? O que ele está fazendo que não pune os culpados?

Não é a toa que, nas pesquisas de opinião pública, o Congresso Nacional, os partidos políticos e a Justiça aparecem entre as instituições menos confiáveis do país. No topo da confiabilidade estão os bombeiros que, de resto, sempre mostram a que vieram.

Uma crise mal resolvida solapa não apenas a democracia, mas a própria confiança entre as pessoas. Os resultados das pesquisas do Latinobarometro mostram que, ao serem perguntados se confiam na maioria das pessoas, os brasileiros estão piores do que os asiáticos e os africanos. A desconfiança é generalizada: apenas 16% confiam no próximo – contra 60% nas sociedades mais avançadas. Perdeu-se o senso de comunidade e de ajuda mútua.

Como se vê, a incapacidade de governar e punir conspira contra a democracia e destroi a confiança do povo. Os estragos da crise atual são mais profundos do que se pensa. A bandalheira impune esfacela a ética social e a fé no regime democrático a ponto das pessoas quererem sacrificar vários graus de liberdade para obter alguns graus de resultados. É triste e é isso é o que os senhores parlamentares e governantes estão deixando como legado: irresponsabilidade e insensibilidade.