Publicado no Jornal da Tarde, 03/05/2005.
Os problemas sociais são nossos
Ao discursar na inauguração de uma fábrica em Araraquara (SP) no dia 31 de março de 2005, o Presidente Lula afirmou que (sic) "o problema do Brasil não são os outros, mas nós mesmos".
Deu para entender o que ele quis dizer. Nada mais certo e, ao mesmo tempo, nada mais diferente do que dizia como dirigente sindical quando colocava a culpa dos nossos problemas ao FMI, Banco Mundial, Sarney, Collor, FHC e tantos outros bodes expiatórios.
O Brasil mantém recordes de desigualdade social. Grande parte das raízes dessa desigualdade não está no exterior, mas aqui mesmo, sendo determinada por leis de má qualidade, cunhadas por influência de lobbies brasileiros.
Vejamos alguns exemplos. Em 2004, o Brasil tinha 8,5 milhões de pessoas desempregadas e 79,3 milhões trabalhando. Destas apenas 31,7 milhões (40%) estavam protegidas pelas leis trabalhistas e previdenciárias. Os restantes 47,5 milhões estavam desprotegidas. Não há como sustentar que uma lei que desprotege a grande maioria seja um bem público. Na verdade, trata-se de um mal público.
Por que é assim? Por que os protegidos atuam junto aos congressistas na fase de elaboração das leis. Os excluídos, por serem desorganizados, não conseguem agir. Contam apenas com o destino.
No caso do seguro-desemprego, por exemplo, os 20% mais pobres recebem apenas 3% dos recursos daquele instituto. O restante é apropriado pelos não pobres. Isso é fruto da lei. Trata-se de uma injustiça "legalizada".
O mesmo ocorre na Previdência Social. Os 20% mais pobres ficam com apenas 7% do que o País gasta com aposentadorias e pensões. O restante vai para os não pobres. Assim é a lei. Nada disso tem a ver com o FMI ou com a Banca Internacional.
Há outras injustiças garantidas por lei. O valor médio da aposentadoria dos pobres que recebem do INSS é de 1,8 salários mínimos. Para os funcionários públicos é de 14,4 salários mínimos. Apesar da recente reforma previdenciária, as desigualdades continuam. São "obras" das nossas leis.
Não há como esconder. A Constituição Federal de 1988 construiu uma fachada igualitária para as instituições que, na maioria dos casos, aprofundaram as desigualdades.
Vejam o caso da educação. Enquanto os mais pobres têm enormes dificuldades para concluir a 8a. série, os mais ricos, que fazem os cursos médios em escolas caríssimas, cursam universidades públicas inteiramente gratuitas. Por que é assim? Porque a lei impede que as universidades públicas cobrem dos alunos mais ricos para conceder bolsas de estudo aos mais pobres – o que é feito nos países avançados.
Há muitas outras desigualdades criadas por lei. Vejam este absurdo: a Constituição Federal exige a freqüência obrigatória à escola dos 7 a 14 anos, mas só permite ao jovem trabalhar quando completa 16 anos. Ora, o quê fazer nesse hiato? A maioria não pode continuar os estudos e a totalidade não pode trabalhar. Quem não estuda e não trabalha, faz o quê? Haja FEBENS!
Em suma, o Brasil é um campeão de desigualdades legais. No passado, as oligarquias dominavam a cunhagem das leis. Hoje elas se irmanam com os grupos corporativistas que impedem a ampliação da justiça social. Ney Prado, comentando palavras de Hernando de Soto afirma que todo direito formulado com fins aparentemente distributivistas não favorece nem aos ricos nem aos pobres, mas aos que estão melhor organizados para aproximar-se do poder (Ney Prado, "Os Direitos Sociais no Estado Democrático de Direito", in, Arion Sayon Romita, Curso de Direito Constitucional do Trabalho, 1991).
Lula tem razão. O problema do Brasil decorre da incompetência ou da inapetência dos brasileiros para fazer leis de boa qualidade, incluindo-se aqui as corporações sindicais que hoje dominam o seu governo e, apenas na aparência, se propõem a defender a maioria.
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